sábado, 3 de junho de 2023

4 Cozinha goesa: Chacuti de vitela 23/Abr/2008 | Jornal Público

Um vinho de Óbidos para o prato mais especiado


Não tem tradução para português nem para língua nenhuma, o prato que dá pelo nome de chacuti e que é de todos os que descendem da matriz indo-portuguesa de Goa o que mais condimentos leva. É por isso que Sebastião Fernandes, da Casa de Goa, o coloca no final de uma refeição, mesmo depois de um prato picante e denso como um ambotic. Está certo, o homem que ainda hoje não se considera mais que um empregado de mesa, mas a quem nós reconhecemos louros de embaixador e recriador da boa cozinha goesa. Mais importante que a carga picante de um prato, é a sua complexidade, colocando especial nota no vinho que se deve eleger para o acompanhar. Chacuti é uma palavra concani que na sua grafia internacional se escreve shakuti ou shakti e não se confina à região de Goa. Mas foram os goeses cristãos os que mais impulsionaram a preparação especial com vitela, quem sabe se não foi para a diferenciar da dos hindus, que não tocam em carne de bovinos para comer. Falamos, como é claro do “chacuti de vitela” e mantemo-nos aqui fiéis à interpretação do restaurante da Casa de Goa.

Sendo um dos pratos mais especiados da cozinha goesa, o chacuti de vitela tem uma preparação complexa e exige alguma prática para sair com um sabor convincente. Quanto à cozedura e afinação, é muito semelhante ao ensopado de borrego que encontramos no nosso Alentejo rústico, especialmente no Baixo Alentejo, onde o dito é servido em formato caldoso e tomado de cravinho e alho, com golpes afinadores de vinagre de vinho. Já aqui estabelecemos uma ligação Alentejo-Goa e aqui está mais um momento pelo menos de reflexão sobre quem influenciou quem. Certo é que no Norte de África também se encontram pratos nos quais a cozedura lenta faz lei, com uma substancial exacerbação de todas as especiarias que lhe estão na base.

É fundamental a “cozedura em seco” das especiarias em frigideira sobre lume moderado antes de se picar todo o conjunto, justamente para garantir a integração de todos os sabores mais tarde, quando o lume já está activo no tacho.

Escolhemos para acompanhar este complexo chacuti o Quinta das Cerejeiras Reserva tinto 2003, um DOC Óbidos feito a partir das castas Castelão, Aragonez e Touriga Nacional, com predominância da primeira. O estágio é feito em tonéis de madeira, tal como se fazia há 50 anos; estamos a falar de um dos vinhos mais antigos de Portugal. Hoje em dia, utilizam-se também meias pipas de carvalho francês e americano. Tradicionalmente, era lançado com 10 anos, hoje Carlos João Pereira da Fonseca, o proprietário e gestor das Cerejeiras, condescendeu em lançá-lo mais jovem no mercado, com “apenas” 5 anos. O nosso 2003 custou ***** Euros num supermercado e não tomou de surpresa o responsável da Quinta das Cerejeiras – que também tem as quintas de S. Francisco e do Sanguinhal a seu cargo – o facto de se comportar bem com a cozinha goesa. Ele próprio é fã dessa cozinha, que conhece bem, recordando-se até de algumas experiências de conjugação com os seus vinhos da região de Óbidos. Certamente contribuem para o êxito da conjugação que experimentámos e que recomendamos tanto os factores de “terrroir” – solo e clima - , já que existe uma componente calcária importante que potencia a acidez pronunciada que o vinho revela em prova. Ao mesmo tempo, as noites frias e os dias quentes prolongam com graciosidade a maturação das uvas no período imediatamente anterior à vindima. À mesa, o resultado é exacerbação das notas de cravinho, pimenta e aniz do prato, como poucos conseguem potenciar mas, graças à acidez presente no néctar, também a capacidade de regeneração do palato, a fim de evitar a saturação e excesso, sempre de evitar numa harmonização vinho-comida saudável e prazeirosa.



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Ingredientes

(para 10 pessoas)


Para assar na frigideira e moer

Meia Noz Moscada

10g de pimenta preta em grão

5g de cravinho

50g de cominhos em grão

30g de malaguetas secas

10g de cardamomo

50g de gengibre

5g de açafroa

80g de sementes de coentros

1 flor de aniz-estrela


Para torrar na frigideira

200g de coco fresco ralado


2kg de vazia de vitela

2kg de cebola

70g de alho

40g de colorau

10g de açafrão



Preparação


Numa fridigeira, colocam-se os condimentos “para assar”, colocando-se em forno quente até as sementes de coentros mudarem de cor. Após arrefecerem, levam-se a moer na máquina e reservam-se. Noutra frigideira, torra-se em lume brando o coco fresco ralado, reservando-se. Faz-se um refogado com a cebola finamente picada e óleo vegetal, juntamente com o alho. Junta-se depois a vitela cortada em cubos médios, deixando-se depois integrar em lume muito brando ao longo de cerca de 30 minutos. Junta-se os condimentos moídos, mexendo sempre, ao mesmo tempo que se vai dando “golpes” de vinagre, ao gosto de cada um. Juntam-se então o colorau e o açafrão, de novo mexendo e mantendo a fervura branda. No instante final, junta-se o coco torrado. Serve-se quente, com arroz basmati.

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