domingo, 4 de junho de 2023

17 Cozinha caboverdiana: Bifes de atum de cebolada 29/Jul/2008 | Jornal Público

Bifes de atum de cebolada


Grandjó adamado para uma selva de sabores


Os caboverdianos são, de todos os povos africanos de que a língua portuguesa é mãe, os mais internacionais. As ilhas de Cabo Verde foram ao longo da história palco de contínuos e intensos vaivéns, entre passantes, exilados e estudiosos. Como nação nasce apenas em Julho de 1975, mas como pátria remonta aos tempos da escravatura e dos trânsitos dos negreiros. Não consta de manual escolar algum – não podia constar – a sua importância como entreposto de escravos, nem como a sua economia foi ao longo de três séculos fortemente baseada no bizarro negócio. As movimentações de habitantes entre as dez ilhas que compõem o arquipélago foram diversas, provocadas primeiro pelos negociantes que buscavam atender aos seus “clientes” das três Américas, depois pelo ímpeto migratório que se instalou, levando muita gente para S. Tomé, por exemplo. Ficou o hábito de viajar e de contactar viajantes, absorvendo influências de toda a parte. A luta pela independência que precedeu a descolonização dos anos 70 teve a energia que séculos de desequilíbrio entre a fome de justiça e a abundância do que a terra produzia fizeram acumular. A mesma energia que está no código genético de cada caboverdiano e que torna magnético todo um povo que, tendo sofrido o que sofreu, tem facilidade ímpar em festejar tudo o que lhe acontece.

Descobrem-se hoje em Cabo Verde riquezas diversas. A prosa e a poesia, consagrando entre outros a saudade dos tempos do sossego e do equilíbrio com a natureza; o pescado abundante e saboroso, costeiro e de águas profundas; a música, repartida por inefáveis mornas, coladeiras e funanás; e a gastronomia, a que finalmente chegamos.

O nosso destino é o En’Clave, ponto de encontro da diáspora caboverdiana há mais de 30 anos. Fundada pelo carismático e imenso Bana, passou pelas mãos de Tito Paris e foi ali que se “criou” ou fenómeno Cesária Évora, hoje referência incontornável da world music. Pertence há cerca de quatro anos a Domingos Centeio, advogado entusiasta das coisas da sua terra natal. Oficiam ali Augusta Matias e Ângela Cruz, uma dupla capaz de reproduzir vasto receituário, transcendendo a cozinha estritamente caboverdiana para abarcar praticamente todos os países africanos de língua portuguesa. Entregamo-nos nas suas mãos para um bife de atum de cebolada, um dos pratos mais apreciados entre a clientela da casa e também um dos mais frequentes em Cabo Verde. A base é um refogado de azeite e cebola, a que logo se juntam pimentos assados, servindo-se com banana frita. Há, portanto, muita matéria sólida para desbastar, além de sabores bem definidos e contrastantes, que começam no atum propriamente dito e se prolongam por experiências gustativas a um tempo exóticas e familiares. É grande a influência do continente na cozinha de Cabo Verde. Recorremos à estratégia dos sabores e aromas complementares para escolher o vinho desta jornada. Depositámos a nossa esperança no Grandjó meio-doce branco 2007 (3,99 Euros num supermercado) e fizemos bem, já que a harmonização foi feliz. O ligeiro adamado do vinho serviu para colmatar a acidez do prato, cortando frescura também o fundo gordo da composição sólida. As tonalidades florais, de pêssego e melão do vinho criaram uma envolvente interessante ao atum, exaltando as suas virtudes, que são muitas. Servimo-lo a 10ºC, o que aconselhamos.


Ingredientes

(6 pessoas)

6 bifes de atum fresco com cerca de 1cm de altura

1 chávena de chá de azeite

4 cebolas médias

3 tomates médios

3 pimentos verdes

4 dentes de alho

2 limões

3 bananas

Arroz branco

Sal e pimenta, q.b.


Preparação

Picam-se os dentes de alho muito fininho, que se usam para temperar os bifes de atum, juntamente com sal. Fritam-se de imediato no azeite quente, 2 minutos de cada lado, reservando-se. Fritam-se depois as bananas, que também se reservam. Ainda no mesmo azeite, deitam-se as cebolas cortadas às rodelas, os pimentos assados cortados em tiras e os tomates cortados em bocados. Aviva-se o lume até as cebolas ficarem translúcidas, passando depois a mínimo, ao mesmo tempo que se tempera com sal e pimenta a gosto. Deixa-se apurar mexendo de vez em quando, até o tomate ficar integrado no molho. Verte-se quente sobre os bifes e as bananas, servindo-se de imediato.



Receita das chefes Augusta Matias e Ângela Cruz (na foto)

Restaurante En’Clave, Rua do Sol ao Rato 71-A, Lisboa, Tel. 213 888 738

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