domingo, 4 de junho de 2023

38 Cozinha baiana: Escondidinho de carne do sol 30/Dez/2008 | Jornal Público

Escondidinho de Carne do Sol


Das muitas coisas que podemos esperar dos brasileiros, não constam nem a tristeza nem a depressão. Danados para a dançarica, sente-se neles uma alegria imanente, que nos apetece roubar, ou pelo menos pedir emprestada. A música é uma grande ajuda para lá chegar, e a comida também nos põe mais contentes, toda ela festiva, apaladada, quando não picante de fazer suar atrás da orelha. África, México, Peru, de todos estes sítios chegaram ritmos e sabores que no grande caldeirão de culturas da Baía se transformaram num dos mais eficazes antídotos para a tristeza que se pode conceber. O Escondidinho de Carne do Sol, prato baiano do restaurante Comida de Santo sobre o qual nos debruçamos, é uma das boas surpresas reservadas aos que aprofundam o seu conhecimento sobre a arte culinária do Brasil. A carne do sol é menos seca que a “carne seca”, de salmoura, que é armazenada em conserva, demolhando-se à medida que se vai precisando. Deriva do investimento dos primeiros colonos nas novas terras do Pau Brasil, e que foi a introdução do gado de criação. Gingando ao som dos batuques e dos cantos pseudo-tribais, fomos deixando a nossa marca, que hoje os brasileiros reverenciam sem qualquer laivo de falsa submissão; que de resto não seria admissível, nos tempos modernos que acreditamos estar a viver.

Só na semi-aridez do Nordeste é possível obter a carne do sol; em ambientes húmidos, apodrece. Submete-se a carne a uma combinação de desidratação (ligeira) e salga com sal fino e, ao contrário do que o nome sugere, nunca é posta ao sol enquanto se desidrata. O nome que tinha antigamente, “carne de vento”, fazia-lhe mais justiça, porque o processo de secagem acontece em ambientes controlados e sobretudo bem ventilados. Outros nomes interessantes e elucidativos são, dos muitos que há, carne serenada ou carne de viagem. Antes de se utilizar para cozinhar, a carne do sol deve imergir-se em água durante o tempo necessário para que a hidratação se dê e para que o sal deixe o corpo carnudo. O aspecto é praticamente igual ao da carne fresca, com um sabor bem diferente, indispensável para o fim em vista, que é da plenitude do sabor.

A preparação do prato termina com a cobertura de puré de mandioca e o queijo, para ir gratinar no forno. O ambiente geral do prato é de texturas macias, sabores ligeiramente adocicados e globalmente calórico. Necessidade, portanto, de um vinho que à maneira de contra-ciclo consiga equilibrar as tonalidades mais pesadas do “escondidinho”. Acidez, sintonia com a proteína (carne) e corpo, tudo sem prejuízo da elegância. Conjunto de requisitos aparentemente inconciliáveis num mesmo vinho, mas que fomos encontrar no Quinta da Dona tinto 2003 (16,50 Euros). Produzido a partir da emocionante e bem portuguesa casta Baga, é um vinho da Bairrada, a sua capital. Colocado a 16ºC, casa na perfeição com o prato, ao mesmo tempo que evidencia de forma algo clamorosa a necessidade que há de prosseguir com a renovação da região bairradina, a mesma que nos deu boa parte dos nossos vinhos clássicos.


Ingredientes

500g de lombo ou outra carne muito tenra

1 Cebola

2 Dentes de alho

500g de mandioca

Sal e pimenta preta a gosto

Azeite

Queijo Parmesão ralado


Preparação

Abrir o lombo (em manta) fazendo cortes verticais na carne sem a separar totalmente e colocar/espalhar sal fino até saturar completamente a carne. Guardar durante 12 horas mudando de posição várias vezes e depois pendurar outras 12 horas em local fresco e arejado protegida por um pano fino. Demolhar e deixar cerca de 12 horas, para retirar o sal. Posteriormente cozer bem a carne até que se possa desfiar finamente.

Fazer um refogado com a cebola em meia-lua e o alho laminado e azeite, uma folha de louro e juntar a carne finamente desfiada, envolvendo bem até tomar sabor.

Descascar e cozer a mandioca, retirar as fibras mais grossas e um fazer puré juntando um pouco de manteiga e temperar de sal e pimenta a gosto. Numa travessa de ir ao forno colocar uma camada de carne, entretanto refogada, e cobrir com o puré de mandioca. Polvilhar com parmesão e levar ao forno a gratinar. 

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