terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Vinho: Colecção Privada DSF Riesling (vinho de mesa) branco 2019 (12,5%) | José Maria da Fonseca


Classificação Omnívoros: 92
PVP: 10 euros

100% Riesling. Vinha no nordeste de Portugal, 630 metros, solo granítico. Nariz de querosene, líchias e petróleo, boca de tâmaras secas, figos e cogumelos frescos. Anda devagar na boca e vai evoluindo sempre, distribuindo evocações de chocolate branco, alperce cozido e alcaçuz. Enorme complexidade, grande demonstrador da casta. Prato: Pregado frito com alcaparras.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Guia MIchelin 2021: Pandemia, abandonos e esquecimentos



A curiosidade era mais que muita por parte dos chefs e restauradores que compõem o elenco do guia vermelho Michelin Portugal e Espanha. Desde final de Janeiro que todos sem excepção entraram numa espiral descendente, dando-se conta de que não havia outra forma senão abrandar, parar ou mesmo encerrar. A gala Michelin de ontem substituiu a festa das estrelas por uma outra, de contornos surrealistas, mas no fundo foi sempre assim, Portugal está habituado a muitos confinamentos, especialmente o do esquecimento. Mas que isso nunca nos conduza a deixar de festejar, para todos os efeitos o saldo é positivo.

Ljubomir Stanisic habituou-nos às suas extravagâncias calculadas e à meticulosa provocação da sua forma de comunicar. A primeira nota sensível vai inteirinha para ele ao ver o seu 100 Maneiras, em Lisboa, receber a primeira estrela Michelin. O discurso das estrelas é de avaliação e reconhecimento da actividade dos restaurantes enquanto empresas, com tudo o que isso implica. Parabéns ao chef Ljubomir e à brilhante brigada de bravos com que oficia no seu reduto junto à Trindade, da justeza ou justiça que os mais de dez que mereciam a distinção nalgum dia feliz se há-de tratar. Para já, festejemos. O outro novo estrelado - houve dois apenas - é o Eneko Lisboa, que seguramente tem os seus pergaminhos imaculados, já que praticamente não funcionou sequer desde que abriu. Aí impôs-se a lógica ibérica, é sempre de pôr os olhos num três estrelas espanhol que abre um restaurante em Portugal. O chef basco Eneko Atxa detém três estrelas Michelin no seu brilhante Azurmendi, é compreensível o apoio tanto do seu conterrâneo famoso Martín Berasategui - que recebeu a estrela no seu Fifty Seconds da Torre Vasco da Gama no ano passado - como do próprio guia Michelin. Em parte significativa continua enfeudado junto dos seus patrícios, sem sinais de aposta forte nos bons empresários de restauração portugueses e com óbvios sinais de esquecimento do incrível talento português que vai reconhecendo nas visitas formais que os inspectores vão fazendo e comunicando. Quando chega a altura de lavrar a nova edição do guia, nada. Pode ser que haja mil razões, fico-me pela do esquecimento incompetente.

Proibido esmorecer


Mas nem tudo está perdido! A leitura histórica da nossa micro-história de alta restauração sempre se vai fazendo e a atribuição da categoria Bib Gourmand ao Check-in em Faro do chef Leonel Pereira é bem sinal disso. Contar-se-ão pelos dedos de uma mão os restaurantes que passaram da “lógica Bib” para as estrelas formais, mas é sempre um primeiro passo que há que festejar. E se eles festejaram ontem! Um Bib Gourmand representa para o guia Michelin uma boa relação qualidade-preço e é sempre bom estar na mira do pelotão Michelin, com a respectiva placa à porta. E o indefectível Leonel enfrentou em 2019 o encerramento do seu São Gabriel, onde contra tudo e contra todos conquistou a muito merecida estrela. Agora aí está ele renascido das cinzas e pronto para o combate, com a sua equipa brilhante a secundá-lo. Igualmente feliz estava o chef Carlos Afonso ao ter a notícia da distinção Bib Gourmand

no seu Frade, em Belém. Mais um triunfo da cozinha de raizes e proximidade do muito seu também Alentejo. Foi, a propósito, a aposta DN para 2014 na área da gastronomia e não nos enganámos; basta pesquisar o périplo que o ainda jovem cozinheiro, amante da pesca e do campo, fez por cozinhas de primeira linha para ver o efeito da confiança e da oportunidade certa na carreira de um profissional. Nos arredores de Bragança, o restaurante Javali viu reconhecido o seu labor ao ser também contemplado pela primeira vez com um Bib Gourmand. O quarto novo contemplado com Bib Gourmand no guia vermelho de 2021 é o Avista Madeira, fica no Funchal e é o braço restaurativo das Suites Cliff Bay. Com a coordenação superior e atenta do chef Benoit Sinthon - duas estrelas no Il Gallo d’Oro do hotel Cliff Bay - , nasceram ali dois grandes profissionais, João Luz e Luísa Castro, ele nos grelhados e cozinha regional, ela nas artes do sushi e outras orientalidades. Benoit estava particularmente feliz quando caiu a notícia da nova distinção. O lugar, acrescente-se, é perfeito, autêntico promontório marítimo, mesmo comparando com o exotismo presente em toda a ilha da Madeira. E surpreendendo tudo e todos, o Semea by Euskalduna, no Porto, vê ser-lhe atribuído o Bib Gourmand, quando todos nós há muito esperamos pela estrela na casa-mãe, o Euskalduna Studio, um grande restaurante nacional, do enorme chef Vasco Coelho Santos. É a vida! Mas… será?


O inevitável lamento


Nunca é de mais recordar aspectos cruciais do guia vermelho Michelin, que é o que é dedicado à avaliação de restaurantes e hotéis. Em primeiro lugar, é uma publicação inteiramente privada, com critérios próprios e que apesar da enorme projecção pública que tem, segue a sua trajectória há já 120 anos e goste-se ou não, tem lugar absolutamente central na história. Em segundo lugar, todos os inspectores Michelin são funcionários em regime de total exclusividade; não são nem colaboradores ocasionais nem avençados, são empregados. Terceiro, suporta todos os custos inerentes e decorrentes da actividade dos inspectores, incluindo as contas muitas vezes avultadas que são apresentadas. Quarto, o inspector Michelin é alguém que já exerceu funções de gestão hoteleira de topo ao longo de pelo menos seis anos, e nunca teve actividade nem exposição públicas. E quinto e último - talvez o aspecto mais importante - a relação entre cozinheiros e inspectores passa sempre primeiro pelo crivo “business to business”. O que no fundo decorre da assunção do restaurante enquanto empresa. Vou ser mais prosaico: contas em dia com fornecedores, situação fiscal cristalina, e enquadramento social aceitável. Nada disto se vê quando se está à mesa numa refeição, mas tudo o profissional experiente sente e conhece. E isso em si mesmo é já uma avaliação de efeitos contundentes, determinante para validar ou não determinada distinção. Mas a recíproca, contudo, devia aplicar-se também, ou seja, quando todos os critérios estão a ser cumpridos, incluindo a demanda pelas informalidades, a distinção devia ser dada. Confesso que com o tempo me tornei céptico quanto à transparência de processos na avaliação Michelin, e junto-me ao lamento de tantos profissionais fantásticos cuja arte insistem em não reconhecer.

O Alentejo Marmóris Hotel & Spa em Vila Viçosa tem, além da óbvia e apropriada inspiração da actividade extractiva de mármore, um grande cozinheiro a gerir os destinos do seu restaurante. É o chef Pedro Mendes e, para manter a alegoria geológica, é uma rocha que resiste a todas as tempestades. Cozinheiro fora de série, culto e intelectualmente orientado, aprende tudo o que pode, e ensina tudo o que sabe. Lealdade indómita a António Alves, proprietário do hotel com quem a propósito é sempre um enorme prazer estar à mesa e em viagem, Pedro Mendes deu uma leitura de alta cozinha - leia-se cozinha de passos, sustentada e intencional - a tudo o que outrora não passava de mero registo regional. A frequência da academia superior de Alain Ducasse não o ofuscou nunca, antes lhe deu ideias para melhorar a sua actividade lectiva na Escola Superior de Hotelaria e Turismo de Portalegre, a ponto de eu não poucas vezes reconhecer a sua “mão” em pratos de chefs que passaram pelo seu crivo. Demos juntos algumas aulas em que me surpreendeu pelo quanto vive a cozinha e pelo imenso arsenal técnico que ao longo dos anos consolidou. E tive momentos de grande emoção - falo de lágrimas, mesmo - por não me conseguir conter perante a perfeição de algumas refeições por si organizadas. Sei que foi visitado diversas vezes pelo corpo de inspectores do guia Michelin, assim como sei que colheu sempre pela positiva junto dos exigentes técnicos. Tem de resto o “prato” Michelin, distinção do guia para cozinhas autênticas e de qualidade. Ontem Pedro Mendes não estava feliz.

O restaurante Ferrugem, do chef Renato Cunha, é luminária de enorme valor nas imediações de Vila Nova de Famalicão e ontem o homem e o cozinheiro sentiam-se defraudados. Foi até um pouco mais longe, interrogando-se sem verbalizar acerca da existência de motivos não explícitos para sistematicamente a proporção de novas estrelas ser sempre de 1 para 40 ou 50, no cômputo Portugal-Espanha. A comparação é inevitável quando o guia é conjunto para ambos os países, e a manter-se todos os anos espartilha mais e mais o nosso cantinho luso. Renato pratica cozinha de proximidade e produz praticamente tudo o que utiliza no seu restaurante, processando de forma genial ingredientes para chegar aos seus objectivos de sabor e textura. Tem vários discípulos já, alguns até com os seus próprios restaurantes e ana não se lhe apagou a centelha. Todos os anos em que a estrela não é dada me interrogo eu próprio sobre a forma discrecionária com que opera o guia e com que base as suas proverbiais decisões de colégio são tomadas. E faço figas para que o chef Renato Cunha continue com a mesma força. Mas não há milagres.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Descoberta: Tabernáculo do Rio, em Tomar

Já existe há oito anos, mas eu nunca lá tinha ido. Foi ontem a primeira vez, e voltarei seguramente. A criatividade de Carlos Lopes, a preocupação histórica, a viagem no tempo. Comi uma espécie de alcatra à açoriana, mas sem vinho de cheiro, carne de boa qualidade, e um vinho branco que não desmereceu. Comi também um belíssimo arroz de pato. Anunciam que há música ao vivo à quinta-feira, mas obviamente neste tempo de pandemia não há.

Tabernáculo do Rio
R. Marquês de Pombal 58
2300-510 Tomar
Tel. 249 315 298
Fecha: Não fecha
Preço médio: 14 euros