domingo, 27 de outubro de 2019

Eu e a comida

Mesa, comida e o melhor da vida

Comer bem é saber o que se come e o contrário nem sequer é comer mal, é não comer sequer. Falar sobre a relação com a comida é puxar um certo fio de memórias quase todas de descoberta e aprendizagem e a mesa é o espaço natural para esse exercício. Relação por isso muito feliz e cheia de futuro.

Apesar de mais três décadas de gastrópode vagaroso, provando quase tudo o que se me ia apresentando por onde fui passando, a minha relação com a comida é ainda marcada pela minha ignorância sobre quase tudo. Vivo talvez por isso em constante perplexidade perante o inteiramente novo. Se tivesse de resumir diria mesmo que a minha relação com a comida, a mesa e tudo o que com ela se relaciona é tripartida, entre perplexidade, descoberta e estudo. É natural que neste preciso momento em que escrevo seja esse o meu sentimento, pois estou em plena exploração do maravilhoso livro Peixes de Portugal da ictiologista Maria José Costa (Edições Afrontamento, 2018), do qual tento estudar um peixe por dia e no qual praticamente tudo me era desconhecido até dar com ele. Apesar da minha compleição e da cubicagem generosa com que a idade adulta me agraciou, gosto mesmo mais de aprender do que comer. Hoje viajo sem me fazer rogado só para provar um peixe que está na desova e vai ser processado por um mago da grelha. Nestas investidas, ainda é hoje é muito mais o que desconheço do que o que sei, e na partilha à mesa há magia ainda hoje. Nos ombros de gigantes, vê-se melhor o mundo. Os concursos da televisão, obviamente impostos por audiências, podiam ser ponto de partida se no momento sacramental em que finalmente se desliga o aparelho se fosse procurar saber mais, em vez de se ir para cama, cansado e estupidificado. E há concursos de tudo hoje em dia a acontecer, outro aspecto que tira os cozinheiros do trilho, que pena passarem mais tempo nos estúdios e palcos do que na biblioteca. Estamos melhor do que nunca, mas podíamos estar a avançar mais ligeiros e seguros. Aprendi a estar à mesa em festa com o meu mestre David Lopes Ramos - hoje já no Olimpo a partilhar o melhor com os melhores - em vez de estar circunspecto e desconfiado. Disse-me ele muitas vezes que o português adora sentar-se em boa companhia e sente-se feliz por partilhar. Hoje sei o quanto estar de bem com a vida ajuda a provar melhor o que se come e bebe, está mais que provado cientificamente que há receptores de sabor e aroma que fecham quando o sistema nervoso se sobrepõe e obriga o cérebro a julgar da pior maneira. Caso do serviço nos restaurantes, por exemplo, que o crítico deve desvalorizar ou pelo menos não dar demasiada importância mas que às vezes apetece varrer com o lança-chamas. É muito mais importante perceber o que está a comer, e é a isso que chamo comer bem. Em jeito de rábula pronta a disparar, é a minha resposta favorita à vezeira pergunta sobre onde se come bem. Eu como bem em toda a parte, porque sei o que estou a comer. Nas cozinhas populares como nas mais vanguardistas, o imperativo principal é perceber o que se está a comer. Na dúvida, pergunta-se, que a resposta sempre há-de esclarecer. Perdi, infelizmente a capacidade de julgar de acordo com o meu gosto e o meu prazer. É deformação profissional, sei bem, mas a cozinha, o chef e os donos dos restaurantes não cozinham para me agradar; eu é que tenho de entender o que fazem. Por isso transferi o núcleo do prazer para o factor surpresa e para a novidade. Muitos amigos meus ficam desapontados quando me recuso a dizer qual é o melhor polvo de Portugal, mas a verdade é que eu próprio não sei. Já por outro lado, consigo recomendar pessoas, cozinheiros e empresários, seguindo o fio simples de raciocínio produto, origem e processamento, conseguimos colocar lado a lado a cozinha mais humilde e a brigada mais sofisticada.
No final dos anos oitenta estar junto a Marc Veyrat e provar alguns dos seus pratos foi uma enorme iluminação. Autodidacta como tantos chefs Michelin são, aprendi como sofisticação e equilíbrio vão lado a lado. Estar vinte anos depois na mesa de Santi Santamaria - outro que já está na felicidade da companhia dos eternos - e provar o toucinho com caviar fez-me aproximar para sempre dessa glória que é o bom toucinho e estudar marinadas e salmouras até à exaustão. Dois génios absolutos e centrais, que explicaram sempre e com a maior simplicidade tudo o que faziam. As coxas de rã de tomatada do alentejaníssimo António Nobre foram a confirmação do elevado nível técnico e de conceito por parte de um português que faz questão de ser simples em tudo o que faz. Um ensopado de borrego em casa de amigos, feito sem véus nem disfarces, honrado a cozinha de pastor no seu melhor e sentir-lhe a complexidade e as nuances. Cozinhar com Víctor Sobral em sua casa e ver que é no coração e nas mãos que está a verdadeira ciência culinária e se decide o gosto português, que não admite sucedâneos. Conversar longamente com gigantes como Maria de Lourdes Modesto e Graça Castelo Lopes - algumas dessas conversas aconteceram mesmo na cozinha, em funções - foi como desenrolar rolos de conhecimento antigo e materializar conhecimento ao vivo. O bacalhau à Conde da Guarda de Vítor Claro forçou-me a subir à mais exótica biblioteca para entender a genial abordagem de que tratava. O cozinheiro não se perdeu, felizmente, apesar de hoje estar totalmente dedicado à produção dos seus vinhos muito especiais. O robalo com laranja e funcho de Miguel Castro e Silva ficou incrustado na minha memória e permanece como uma das mais felizes realizações em torno desse peixe. A outra é talvez o robalo com algas do Mariana, em Afife; outro exemplo de centenas de quilómetros que faço sem pejo para comer. O leitão assado à Bairrada de Vidal Agostinho, declinação cuidada que passa pela criação dos próprios leitões, de cruzamento de raças e criação ao ar livre e de que a memória mais forte é a do convívio com aquela família de notáveis e veneráveis. Os xeréns e atrevimentos de Noélia Jerónimo, em Cabanas de Tavira, a genial cozinheira que gosta de ser feliz a fazer os outros felizes, a que é preciso juntar as experiências bem sucedidas de bivalves com acompanhamentos surpreendentes, levam-me - em vão - a tentar fazer em casa.
Digo que não registo o serviço mas claro que não é inteiramente verdade. Os cozinheiros de alma têm a memória no coração, e praticam a sedução como ninguém. Há cerca de uma década, encontrei em Girona o grande chef Alain Passard, do Arpège, em Paris. Tinha acabado de fazer uma demonstração culinária extraordinária e no final veio a correr atrás de mim, já a meio de um charuto de celebração. Eu achei que ele se tinha enganado e estava a confundir-me com alguém. Mas não. Verdade que eu tinha estado no restaurante dele a jantar, cerca de dez anos antes. E decidi pô-lo à prova, quando me disse que há muito tempo que não me via no Arpège, a que respondi com uma verdade insofismável, só lá estive uma única vez. Eu sei, disse ele, e continuou, foi em Agosto de 2002 e ficou muito chateado por eu substituir o lavagante por salpicão de Paris. Tive obviamente de me render à precisão de memória de Passard, que depois descreveu com todo o detalhe tudo o que tinha acontecido naquele jantar, Conto este episódio muitas vezes, porque apesar do alto a que já chegámos,é cedo ainda para descansar. A expectativa de alguém que entra num restaurante é, pelo menos ser bem tratado. E se for muito bem tratado, a experiência é inesquecível. Por muito que eu goste da comida e o recorte técnico das criações culinárias, o fogo que se me acende dentro por perceber que estou a ser tratado nas palminhas é indescritível e fideliza-me para sempre. Sai-se com a promessa a si próprio de voltar. E volta-se. Comer é muito mais do que levar comida à boca e ver se está salgada.

domingo, 13 de outubro de 2019

Vinho voz e música

Notas soltas para harmonização de vinhos e música.

Há pontes evidentes entre música e vinho e todas elas decorrem da característica intrinsecamente vibratória da música. Os aspectos harmónicos e inarmónicos da vibração ocorrem também dentro do vinho. Qualquer líquido ou sólido a transportam de forma imanente e única. A própria molécula elementar tem uma vibração latente entre os seus átomos que definem tanto o seu estado energético como o comportamento numa reacção química. Por outro lado, o estímulo da vibração induz nos líquidos alterações que são objecto de estudo e caracterização. O vinho é particularmente sensível ao estímulo vibratório. Uma cave de vinhos na qual queremos estagiar e manter os nossos vinhos por muitos e bons anos deve, por isso mesmo, ser imune à vibração e sobretudo não ter, ela própria, um ambiente demasiado vibratório. Os armários climatizados para vinhos que hoje se vendem e aos quais confiamos as nossas mais preciosas garrafas, garantem não só temperatura e humidade constantes, mas também ausência de vibração. Isto faz com que os vinhos evoluam tranquilamente, de acordo com os seus componentes e perfil, em vez de por estímulos exteriores.
Vinho é complexidade. Aromas, sabores, sensações, entrada de boca, meio de boca, fim de boca, retronasais, bouquet, são inúmeras as portas de entrada de um bom vinho. Podem, por isso, ser eles próprios estados de alma. E como sabemos que é verdade que um mesmo vinho há dias que nos apetece, contra outros em que não nos apetece nada. Um pouco como as relações entre as pessoas, que conhecem melhores e piores dias consoante os ânimos e os astros, apesar de as pessoas serem as mesmas (serão?...)
Eu tenho particular dificuldade em não pensar em que vinho me evoca a voz de alguém que acabo de conhecer. Reconheço no timbre, intensidade, aresta, rugosidade e flutuações da voz características que são quase directamente transponíveis, sem mais, para o ambiente conjunto de taninos e acidez de um vinho. Uma voz esganiçada é um vinho com taninos muito verdes sobre os quais cai uma acidez desequilibrada. Já uma voz de peito e doce, como é a voz de uma mãe, evoca taninos muito finos, com uma acidez escondida, quase imperceptível. A voz do pai, essa é normalmente “feita” de taninos redondos, maduros, suportando uma acidez maior, pelo ambiente também ele maior.
Os estudos musicais para que os meus pais me conduziram na infância e na juventude foram causa de dor e sofrimento, ligados ao sentimento geral de “não ser capaz” que só não experimentou quem nunca se dedicou a um instrumento. Passados alguns anos deram contudo numa fonte de grande prazer, partilhado com outros. A minha relação com o piano é bonita e cabe nela praticamente todo o meu mundo. Toco mal, mas tenho um gozo tremendo a tocar, e aproveito para pôr a conversa em dia com pessoas que não tenho mais ao pé de mim. Os cerca de 10 anos que dediquei ao órgão de tubos de S. Domingos, por motivos imprevistos e que ainda hoje não sei explicar, que não seja pela insistência de um grande amigo dominicano, Frei José João, ensinaram-me ainda mais um mundo todo. A função dos metais, do sopro e dos grandes bordões graves do que é talvez o instrumento musical mais poderoso de todos.
Mas mais importante não é tocar, é saber ouvir. Aprender a ouvir, percebendo o que está a acontecer à nossa volta. A música aprende-se. O vinho é exactamente a mesma coisa, também se aprende a apreciar. Música e vinho são ambos assunto de aperfeiçoamento para uma vida inteira. E não há melhor forma de o fazer do que praticando.

(Exercício feito a convite da Bacalhôa Vinhos no dia 11 de Outubro de 2012)


I Aliança Bairrada Bruto 2007
1. Canadian Brass - Tuba Tiger Rag
2. Dukes of Dixieland - Bourbon Street Parade
3. The Dirty Dozen Brass Brand - Carvan

II Casal Mendes Rosé
4. Nitin Sawney - Say Hello
5. Bliss - Song for Olabi

III Casal Mendes Verde
6. Carlos Paredes - Verdes Anos
7. Gotan Project - Queremos Paz

IV Quinta do Carmo Branco 2011
8. Dionne Warwick - I'll never fall in love again
9. Emmy Curl - Elefante
10. Nitin Sawney - Immigrant

V Quinta do Carmo tinto 2008
11. Nitin Sawney - Tides
12. Miles Davis - A kind of blue

VI Moscatel de Setúbal 2000
13. Terez Montcalm - Shattered
14. Ana Carolina & Seu Jorge - É isso aí
15. João Gilberto - Hobalala

A chave

I. Espumante: FESTA, Metais, Marcha, Fanfarra;
II. Verde Rosé: PROXIMIDADE, Lounge, Whispering, Vocalizos;
III. Verde Branco: SAUDADE, Guitarra portuguesa, acordeão, batida em aceleração;
IV. Branco alentejano: SEDUÇÃO, voz de taninos firmes, frescura e recorte, projectiva;
V. Tinto alentejano: CONFORTO, A voz do pai, cordas quentes, piano, violino, violoncelo, sopros;
VI. Moscatel de Setúbal: INTENSIDADE, Força, doçura, persistência.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

O mais português dos bolos

(pastel de nata antes de ir ao forno a 380-420ºC)

As receitas fundadoras do pastel de nata concentram-se no creme que preenche a pequenina taça de massa, pouco ou nada sendo dito acerca desta última. O mesmo acontece com o açúcar, a cozedura e o acabamento. Preciosismo, dirão alguns e com razão. É que independentemente dos detalhes técnicos não há português que não reconheça o pastel de nata como seu. E ninguém duvida de que é 100% português.

O génio nacional que ao longo dos tempos produziu, sem inventores nem autores identificáveis, o prodigioso receituário a que nos habituámos a chamar cozinha tradicional portuguesa fixou autênticas glórias. Fialho de Almeida escreveu a propósito do prato nacional que era um produto do génio colectivo, “ninguém o inventou e inventaram-no todos”. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao pastel de nata e à farta e vasta pastelaria lavrada nos livros que andaram outrora dentro e fora dos conventos. É de resto graças às oficiantes religiosas não residentes - só as mais abastadas podiam permanecer como internas - que os manuais se foram consolidando, arregimentando homens e mulheres da vida secular. O conhecimento, segredos, receitas e técnicas cresceram em paralelo nos mundos secular e religioso, com o mesmo fim de criar receita para o funcionamento sustentável das casas.
Quando por decreto são extintas as ordens, expropriados todos os conventos, expulsos e perseguidos os religiosos, os muitos pequenos negócios entretanto criados subsistiram, ainda que sob rigorosa vigilância do estado. Aconteceu em 1834, com os efeitos devastadores que se conhecem. Em 1837 é criada a Real Fábrica dos Pastéis de Belém, perto do mosteiro dos Jerónimos, com loja adjacente à operação de refinação de açúcar. Servia-se como hoje se serve, o bolo juntamente com açúcar refinado e canela, para temperar a gosto. O negócio do açúcar estava em expansão e o recém-criado bolo era instrumento valioso de promoção. Quando se interrogar acerca da disponibilização de um pacotinho de açúcar, outro de canela, juntamente com a caixa de pastéis de Belém, a razão é essa. A receita, essa, já viajava alegremente pelas casas fora. E pese embora o facto da autoria ser impossível de fixar, há fortes indícios de que a saga do pastel de nata tenha sido fundada no séc. XVI pela infanta Dona Maria, neta de D. Manuel I, filha de D. Duarte e dada em casamento ao terceiro duque de Parma, Piacenza e Guastalla. Está nesse livro a receita dos pastéis de leite. O copo do pastel pode bem ter já sido feito de massa folhada originalmente, o grande mestre francês Paul Bocuse deixou claro que a criação aconteceu no séc. XIII. Sabemos contudo que o trabalho da massa folhada, ainda que tosco e sem intenção específica de servir de base de pastelaria, remonta aos tempos luminosos do Egipto e da Grécia. Uma vez mais, o fenómeno popular extingue a toda e qualquer ideia de fixação da autoria; é de todos, como tudo o que é fundador. Os pastéis de Belém escudaram-se sempre no conceito oposto, o do segredo. Ainda hoje existe a sala do segredo, longe dos olhares de todos, e a receita é conhecida apenas de duas pessoas. A comunicação é a mesma de sempre e diz “cuidado com as imitações”, mas em rigor um pastel de Belém não é um pastel de nata, mas um pastel… de Belém. Na cozedura é irrepreensível, nunca a menos de 380ºC, o copo fica crocante, o recheio quase líquido, que é uma custarda simples, também conhecida como creme inglês. É esse o postulado do bolo a que chamamos pastel de nata, descartando toda e qualquer hipótese de se fazer em casa, nos fornos domésticos, menos ainda as soluções ultracongeladas, supostamente regeneradas pelo calor incompetente dos fornos de convexão que grassam pelos cafés e pastelarias sem fabrico próprio. Infelizmente, é esse o pastel de nata mais frequente pelo mundo fora, mas felizmente é também um grande e eficaz embaixador da portugalidade. A diáspora portuguesa não o dispensa, e há belíssimos exemplos de pastéis de nata, processados a preceito e segundo as receitas mais importantes. Quais são? Uma de duas, de bases diferentes. Uma data dos anos 30 e é do eterno chef João Ribeiro, base de leite, farinha e calda de açúcar; a outra é quase a dual dessa e foi fixada nos anos 40 pelo grande Olleboma, António Maria Oliveira Bello e é candidamente baseada em natas.
O que é um bom pastel de nata, afinal? Basicamente, aquele que perdura. A pastelaria é hoje um luxo, mas nasce da arte da confeitaria, ou seja, transformação pelo calor do açúcar presente nos frutos, criando conservas naturalmente doces e ao mesmo tempo preservando o sabor original de cada fruta. Nasceu antes da extracção do próprio açúcar. Os romanos adoçavam a boca com frutos secos que mantinham nas suas despensas. Ainda estamos num período de relativa euforia do açúcar - até nos medicamentos há açúcar, para facilitar a toma - e já sabemos que temos de reduzir o consumo drasticamente. Mas até nisso o pastel de nata é esplêndido, com cerca de 90 calorias apenas por bolo, é o menos doce de toda a pastelaria. Como seleccionar o seu pastel de nata preferido? Escolha seis pastelarias e compre seis pastéis em cada uma. Guarde na despensa e vá provando em dias sucessivos. Seis pastéis de nata por dia, parece muito mas é um exercício muito bom para a família. Vai dar-se conta de como evolui em casa. Os melhores serão aqueles que mantém a estrutura, cremosidade e sabor. Um pastel é uma conserva e o pastel de nata é de todos o mais português. Boas experiências!

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A recomendável vida de taberna

Deitar farinha de fava ou três claras de ovo para dentro de uma bilha de barro com vinho tinto, agitar bem e durante muito tempo, deixar descansar e no dia seguinte o vinho estará branco. Lê-se no Livro de Cozinha de Apício - um breviário do gosto imperial -, no capítulo do cozinheiro aplicado, apontamento em que explica como preparar vinho branco a partir tinto, obra fundamental para todos percebermos de onde vimos. Publicado em 2015 pela Relógio d’Água, tradução de Inês de Ornellas e Castro, a quem devemos também os excepcionais comentários e adaptação de receitas que constam da obra. O compêndio em si é notável, tanto para perceber a ciência e a segurança acerca do gosto humano e do prazer de bem beber e comer, como para alimentar fortemente a evidência de que, volvidos dois mil anos, estamos quase no ponto em que estávamos. No tempo do império, não se bebia vinho tinto, antes um branco que ou se fazia a partir de uvas brancas, ou era produzido em bica aberta para dar mosto branco que depois quando muito se envelhecia em ânforas e ganhava matiz nacarado. São excessivas e sem fundamento as cenas dos filmes evocativos da época, em particular as festas romanas em que se bebe, derrama e esbanja vinho tinto a rodos. Era branco e mesmo assim diluído em proporções que podia, ir até 75%; a bebida consumida teria cerca de 6 graus de álcool apenas, o que é ainda mais abaixo do que o vinho leve de Ourém, cuja origem de resto não é acidental.
Os romanos souberam beber da beleza e harmonia das propostas gregas, sistematizando-as e desenvolvendo até à exaustão. Arquéstrato, autor de um extenso e exaustivo poema culinário no séc.IV a.C. expõe um receituário inclui graças como peixe grelhado no borralho, pratos de caça e sobremesas que hoje executamos nas nossas casas. Apício encontra já um trabalho colossal operado nas vinhas. Cerca de 200 tipos de vinho diferentes, produzidos a partir de 80 castas traduzem uma variedade difícil de conceber. A taberna - palavra que vem de tabernáculo, ou templo improvisado, móvel - era o espaço público onde se bebia e à medida que se foi dando a impregnação de um certo helenismo nos hábitos e práticas de consumo surge a mesa. Até lá, o almoço comia-se de pé, o jantar reclinado e em jeito vagaroso. No tempo da ocupação romana, Lisboa vê nascer as suas tabernas e não é preciso imaginação muito fértil para ver como sem portas se ia de umas para outras livremente, enquanto se convivia e conversava. As recriações feitas ilustram bem a imponência monumental greco-romana e a natureza ribeirinha de Lisboa contribuía fortemente para o perfil cosmopolita de então. Apetece entrar numa taberna com Apício e perguntar-lhe o que acha do que hoje vê. Para nossa perplexidade, gosta do nosso traçadinho, nem o acha muito distante do que se bebia no seu tempo, enriquecido até pelo gás que contém e que o aligeira ainda mais. Estamos à mesa e diz-nos que é a um tempo um objecto de partilha do que se come - cum edere, ou alimentar-se com - e comer - origem da palavra comércio e que pressupõe a partilha da mesa com alguém. Ficamos a saber que os mostos de uva tinham diversas utilidades culinárias e que a glicerina contida no vinho ganhava expressão enquanto espessante e por isso se reduzia até um terço para obter compotas e sobremesas, apontando-nos o nosso arrobe beirão e a uvada lisboeta como primórdios. Não estamos tão perdidos como pensamos. Lemos no já citado livro de Inês Ornellas e Castro que para cozinhar se usava mosto cozido - defritum - vinho doce natural - carenum - para cozinhar, ambos reduzidos a um ou dois terços, consoante a consistência final que se desejava. Também havia vinho aromatizado com mel, vinho de passas e outros de menor importância mas igualmente válidos, de figos, tâmaras e romãs. O tanino do vinho era, mesmo sem se lhe conhecer o nome, bem-vindo na digestão e funcionava como catalisador. Não tardou que na taberna se passasse também a comer, com a experiência composta de vinho e comida a servir para restaurar as forças e a energia. O restaurante foi o modelo que se seguiu e no tempo da grande partida de portugueses nas naus e caravelas já Lisboa era lugar de muitas moradas restauradoras, bem como de mesas de diversas sofisticações. Apício faz ponto de ordem à mesa e diz que o vinho é um dos grandes prazeres da mesa. para de seguida lamentar nunca nos ter aqui chegado o famoso vinho de Sorrento, cujas ânforas de meio litro valiam comparativamente mais do que vale hoje o vinho mais caro de Bordéus. Reagimos mal hoje a quem mistura gasosa num copo de vinho bom mas sem querer está de certa forma a cumprir-se a história. A escolha é sempre nossa, afinal e as bebidas “on the rocks” que têm álcool de partida bem mais forte que o vinho são prática corrente, sem complexos. O tinto de verano dos nossos vizinhos espanhóis não é senão um traçadinho bem posto, servido fresco e com um ligeiro gasoso carbónico, à maneira da imperial. O próprio gosto da cerveja que hoje está ao rubro com as excelentes bebidas artesanais que grassam entre nós, são elas próprias já passagens de testemunho com perspectiva histórica evidente. Para os gregos antigos, aliás, toda a bebida fermentada tinha o nome de cerveja, tivesse lúpulo, malte ou uva como ponto de partida. A destilação incrementava a pureza, a diluição o consumo. O matizado de bebidas que a civilização produziu vive-se na tasca mais rudimentar como no restaurante mais sofisticado e não o dispensamos; em momentos diferentes, queremos tanto o vinho ligeiro como a bebida mais dura. Sabemos o que queremos e como queremos. Os sete pecados mortais decretados pelo papa Gregório Magno no Séc. VI, incluem já a gula, que também tem papel de relevo no Purgatório de Dante. Os excessos existem, sabemos bem, e o flagelo do alcoolismo é uma realidade. Mas o vinho está acima da suspeita, em sim mesmo explica-nos e emancipa-nos. O resto é livre-arbítrio, além de que sempre beber um copo de vinho com um amigo estará no quadro de honra do que fizemos na vida. Não nos tirem as tabernas.



domingo, 11 de agosto de 2019

Cozer batatas...

A menos de 85ºC, a batata não coze nem que a vaca tussa. E mesmo a essa temperatura, só em vácuo, ou seja, a pressão inferior a uma atmosfera. Óptima altura para parar de dizer que as batatas cozeram a baixa temperatura, como se fosse um feito histórico.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Conhece o queijo Serra da Estrela?

Portugal é único nos seus queijos de leite de ovelha cru e o DOP Serra da Estrela é porventura o porta-estandarte. Apesar da preferência pelos portugueses, no entanto, há muito caminho ainda para andar até ao esclarecimento definitivo.

Indo por partes e direitos ao assunto, temos muito que aprender, e dentro do que falta saber talvez o mais grave seja o serviço do queijo Serra da Estrela. Todos nos habituámos ao esquema que lentamente se tornou num standard, e que é o de abrir o queijo por cima como se de uma caixa se tratasse, e depois servi-lo à colher. Coisa menos acertada deve ser difícil de encontrar, a par da designação pejorativa e evocativa de coisa artificial que é a da "casca". O queijo é todo ele queijo, não há casca nem miolo, pelo que era da maior relevância terminar de vez com a forma "à colher" para o servir. O modo mais adequado à natureza e processamento do queijo Serra da Estrela é servi-lo em fatias "de lés a lés", sempre. Só assim podemos ver o aspecto queijo quanto a olhos - que devem ser poucos ou inexistentes -, côr - que deve ser ligeiramente amarelada mas não demasiado - e consistência - que tem de ser a de uma pasta ligada e homogénea. Importante, portanto, o modo de servir o Serra da Estrela.
A dificuldade imediatamente a seguir que surge é como comprar. Há que dizer que não é fundamental que a prova para se comprar um bom queijo Serra da Estrela. Quando pegamos num queijo fechado e o sentimos nas palmas das mãos, a reacção ao toque dos dedos já diz muito sobre o perfil do queijo. Deve dar a impressão de uma massa bem ligada, com boa elasticidade, a recuperar prontamente o ponto inicial. O cheiro também é bom indicador, e há que dizer, neste aspecto específico, que quanto mais inodoro melhor. Pode ir contra o que muitos professam, mas no queijo e peixe, quer-se menos cheiro e mais glória, porque a festa é na boca quando os comemos. É ainda importante que exteriormente não apresente fissuras nem rachas, ambas sinais de eventuais erros de manipulação ou estágio apressado. Os seus contornos devem ainda ser abaulados, sem arestas pronunciadas; isso só deve acontecer com o queijo já a caminho de velho.
A prova pode também parecer um quebra-cabeças para o não-iniciado, mas não há razão para tal. A forma mais expedita é pegar num queijo novo e com uma sonda retirar um pouco da pasta do queijo, colocá-la na ponta do indicador e colocá-la na língua. Depois devemos encostar esse bocado de massa ao céu da boca e avaliar as sensações transmitidas. Nenhum dos três componentes principais do queijo - sal, lácteo e cardo - deve singularizar-se no palato, os melhores queijos são os que apresentam o maior equilíbrio. Já agora e à laia de provocação, apesar do preconceito indicar que é o vinho tinto ou mesmo o vinho do Porto Vintage a melhor companhia para um bom queijo Serra da Estrela, não deixe de fazer a experiência com um bom vinho branco do Dão da casta Encruzado. Boas experiências!

Contactos para provar e comprar bom queijo Serra da Estrela
(preços dentro da gama 20-30 Eur/kg)

Quinta da Lagoa
Tel. 232 671 173 / 966 796 448

São Gião
Tel. 963 958 386

Queijaria Dos Lobos
Tel. 919 970 846

Batatas, vamos a elas!

Começou a sua carreira europeia como planta ornamental e só no final do Séc. XVIII adquiriu pergaminhos de ingrediente indispensável. Quem passa sem a batata?

Auguste Antoine Parmentier oficiava como farmacêutico do exército francês quando foi preso pelas tropas prussianas, em meados do Séc. XVIII. À maneira de castigo, foi alimentado exclusivamente de batata, até então utilizada apenas como planta ornamental. O espírito científico de Parmentier e o facto de ter sobrevivido com boa saúde ao longo cativeiro fizeram com que logo que se viu em liberdade fosse a correr até ao seu rei, dando conta da descoberta. Em 1785, tem lugar um dos mais importantes banquetes da história da alimentação, oferecido por Parmentier aos reis de França, no qual todos os pratos tinham batata, em diversas preparações, formas e cozeduras. Originalmente proveniente do Perú, o tubérculo começava uma carreira internacional de grande fulgor, a ponto de hoje ser uma presença indiscutível nas mesas de todo o mundo. As terras andinas continuam a liderar, com cerca de 4 mil variedades conhecidas, enquanto que pelo Velho Continente algumas foram elevadas ao estatuto supremo, de ingrediente de alta cozinha. A “ratte”, de bitola pequena mas muito rica em sabor a frutos secos e polpa ligada, amanteigada, tem sido alvo da aplicação afincada dos maiores chefs da actualidade. O tri-estrelado chef Joel Robuchon desenvolveu um puré muito especial, com batata ratte, manteiga e leite, que é talvez a maior parangona da história da batata. Em Portugal, são vários os lugares berço de bons e saborosos exemplares. A da Póvoa dispensa apresentações e é porventura a nossa melhor. Mas em cada horta, em cada recanto regado diariamente e ajeitado de forma competente pode gerar boa batata. Do valor nutritivo ninguém hoje duvida, sendo até integrada por vários médicos especialistas em nutrição. Frita, assada, em puré, na variante “rosti” ou no inefável “gratin dauphinois”, a batata é irresistível. Imperativo adoptar.

domingo, 14 de julho de 2019

Portugueses, ao barrocal já!

O barrocal algarvio comporta praticamente todo o ADN da mesa portuguesa e é exemplar na forma como continua a exprimir e viver a mais perfeita fusão de mar e terra. Acontece na cataplana, no fogo vivo e sobretudo no coração das pessoas. Fatia de território a descobrir.

Parece um border collie o cão do barrocal algarvio e foi a custo que se lhe recuperou prestígio e existência, há menos de três anos. Inteiramente justo. Tem na massa dos genes o instinto para o coelho bravo, o mais saltitão e imprevisível dos animais que cabem na categoria da chamada caça menor e era outrora, 50 ou 60 anos atrás, elemento fundamental no quotidiano dos locais. Esta é uma das muitas perplexidades que nos esperam quando nos detemos na faixa de terra que medeia mar e serra e dá pelo nome de barrocal. A revitalização da raça de que falamos quer dizer a um tempo que o território por que quase não damos quando migramos para as apetecíveis praias a sul teve em tempos intensas fauna e flora e ainda que a criação e a proximidade criaram um ecossistema completo; o barrocal algarvio tem identidade e personalidade.
Parece efabulação romântica mas é certo que o longilíneo enclave entre o mar e a serra ainda hoje tem pulsar próprio e mantém muito do que nele é primordial. Existe uma óbvia ligação ao Norte de África. Os estufados longos, os figos, o azeite, as infusões, os aromáticos e o pão são estacas sobre as quais o tempo construiu a ponte indestrutível entre as duas margens que ainda hoje testemunhamos. São eflúvios mediterrâneos, seguramente, mas devemos conter o primarismo na abordagem, porque se a terra mais a sul de Portugal é irmã da mais a norte de África, o mar algarvio é definitivamente atlântico. Sente-se nas bacias frias, rocha fecunda e marés bem batidas do barlavento, secção marítima entre Sagres e Loulé, justamente onde termina também o barrocal. Temos assim um rectângulo bem definido de território que bordeja o mar e obriga à leitura norte-sul se o quisermos entender bem. As hiperabundantes espécies bivalves que na maré vazia se desenterram com as mãos em concha escavadora estão desde sempre presentes na mesa do barrocal, assim como muito do que vinha nas redes - sardinhas, carapaus e anchovas - e se apanhava de noite ao largo - lulas, chocos e polvos. Tudo o passar do tempo fez fundir e casar e é por isso que a cozinha do barrocal liga naturalmente mar e terra; foi sempre assim. No celebrado prato que é a carne de porco à alentejana, pedaços do dito macerados em massa de pimentão, ligados com alho, amêijoas e coentros, temos um dos mais propagados exemplos. Curiosamente - ou não - o Alentejo chama-lhe simplesmente carne de porco com amêijoas, o que faz todo o sentido, pois foi prato que migrou do barrocal para latitudes superiores, tanto pelo sabor como pela míngua instalada, a que se fez frente com o reforço proteico de baixo custo, essa sim, marca bem alentejana. Aprimorou-se e criou nova sede no Alentejo, mas a raiz é lá em baixo, junto ao mar.
Há que juntar a este cenário a muito provável presença dos cátaros, expulsos do sudoeste francês e da igreja católica por heresia - ousaram apontar o dedo ao papa por corrupção e entrega aos prazeres da carne - e entraram em Portugal pelo Baixo Alentejo. Fixaram-se em dispersão em comunidades monofamiliares, como era seu costume, vivendo do que à sua volta existia e medrava. Adeptos da pureza, estetas da sustentabilidade, seguramente muitos se fixaram perto do prodigioso mar que visitaram, o que significa que também a eles devemos a fusão mar-terra com que hoje convivemos de forma natural. Ouvi num dia feliz o chef catalão Ferran Adriá dizer, logo após anunciar o encerramento do mítico restaurante El Bulli, que tinha saudades dos grelhados de seu pai e das cataplanas de sua mãe. Se há alfaia de cozinha típica do barrocal é o famoso bivalve de cobre, pelos vistos mais viajado do que imaginamos, merece atenção especial pela dupla convexão que concentra o calor e permite finalizar pratos inefáveis. à incerta certidão de nascimento há talvez a acrescentar mais uma proveniência.
O javali ou porco selvagem era e é ainda omnipresente, as batidas de então faziam sentido pela questão numérica e pela necessidade de os manter longe das capoeiras, já bastavam as raposas e os lobos. De sabor pronunciado, proteína forte, presta-se tanto a cozeduras longas como à grelha mais vigorosa. Claro que foi adoptado pelo barrocal e marca presença sobretudo em pratos de tacho.

Cataplanas e outras alegrias

Em muito poucos lugares do barrocal encontramos a diversidade e primor culinário que o Restaurante Ribalta, em Algoz, concelho de Silves oferece. Angelina Ponte instalou há vinte anos um templo no meio do território intermédio - passe o pleonasmo - no casario que viu nascer o seu marido, Francisco Ponte. Tem na filha Elsa a companheira que faz falta em toda a cozinha, tudo antecipando e enriquecendo. Pedimos à dupla-maravilha que fizesse para nós três pratos ilustrativos das artes da fusão mar e terra sobre que discorremos e aqui estão eles.

Cataplana de javali com camarão e batata-doce
Há todo um jogo preliminar de preparação dos ingredientes, antes da assemblagem final do prato. O javali tem uma cozedura muito mais longa do que o camarão, que deve entrar cru no conjunto, e a batata-doce, que não pode cozer demais. Quando finalmente se monta a cataplana, cada ingrediente vai no ponto óptimo para a criação do sabor único que de seguida se prova. Não tem descrição o caldo que misteriosamente se gera dentro do recipiente, pede pão ao lado no momento de servir.

Galinha algarvia com amêijoas e pão frito
O sabor forte e pronunciado dos bivalves crus imediatamente entra no maravilhoso fundo que se gerou na cozedura da galinha, exigente e longa, como se espera. Animal já com uma certa idade, alimentada ao ar livre, a carne é fibrosa e tarda a aceitar a destruição, mas quando acontece temos praticamente tudo feito. As amêijoas abrem no caldo e em poucos minutos acontece o prodígio do barrocal. Fusão perfeita.

Porco com berbigão e xerém
Bivalve vezeiro na tradição arrozeira e enquanto petisco autónomo, o berbigão é um dos mais saborosos mariscos nacionais e é também amigo do povo, preço bastante inferior ao da amêijoa, por exemplo. Está aqui uma das declinações da carne de de que hoje o país inteiro gosta, referido como à alentejana sempre que o bivalve é a amêijoa. O rendimento de sabor é difícil de descrever, e não há quem não goste, começando nas crianças e terminando nos fervorosos fãs mais maduros. O xerém é aqui feito com uma textura muito fina, quase puré, e beneficia do caldo misto de carne e marisco.



Restaurante Ribalta
Ribeira Alta
8365-091Algoz
Tel. 282 575 714 / 963 692 569 / 916 123 835
12:30-15:00; 19:30-22:00
Preço médio: 20 Eur
Fecha: 3f

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Frescos, salinos e minerais, a nova vaga

É notável o que está a acontecer na enologia nacional, com a pronta e crescente adaptação às alterações climáticas e a demanda de perfis e estilos mais ligeiros e frescos. Com a mineralidade à cabeça, está aí a festa da frescura, grandes vinhos que vão do rosé ao Porto Vintage.

Humildade, estudo e experimentação têm vindo a alterar radicalmente o cenário vinícola em Portugal, e os principais beneficiários são os enófilos amantes da diferença. O jargão utilizado para descrever um vinho inclui hoje obrigatoriamente os termos salino e mineral, em parte pela crescente concentração nas vinhas velhas, em parte também pela ousadia dos produtores, substituindo tabus por conhecimento. A enologia é uma profissão fundamental de base científica, a que se deve juntar o enveredar por caminhos não usados. A Poças, produtor 100% nacional com mais de cem anos de vinhos do Porto e Douro, acaba de colocar no mercado vinhos de grande talante, à maneira de sonda, e a reacção não podia ser melhor. Selecção cuidada de videiras, utilização de técnicas diferentes e obtenção de vinhos originais, um de curtimenta - orange wine -, outro de ânfora. São ambos brilhantes e sobretudo constituem caminho. Idêntica moção animou a Adegamãe a produzir vinhos diferentes do usual, incluindo um estreme de Touriga Franca que mostra uma face diferente da casta em vinhas próximas do mar e latitudes mais baixas. O mesmo mar que tem permitido ao Casal de Sta. Maria a criação de vinhos exemplares, como é o caso da segunda edição do rosé Mar de Rosas, trabalho genial de interpretação de casta e terroir. A incrível adaptação da casta Alicante Bouschet aos solos de Campo Maior e que revela grafite intensa entre os descritores de prova, num vinho de celebração e homenagem a Manuel Nabeiro, fundador da Delta e da Adega Mayor. E depois o grupo mais excitante de sempre de vinhos do Porto que os vintages de 2017 representam, fruto da mesma inquietude e busca da perfeição. Boas provas!

17 - Poças Fora da Série Orange Douro branco 2018 (12,3%) | Manoel Poças Junior - 22,5 euros
Vinho assente em técnicas seculares, cruzadas graças ao talento de Jorge Pintão, chefe de enologia da casa. Sauda-se em particular a moderação alcoólica, e o prazer de beber. Frescura e salinidade fazem dele companheiro excelente à mesa.

17,5 - Poças Fora da Série Ânfora Douro branco 2018 (13,3%) | Manoel Poças Junior - 35 euros
As ânforas onde estagiou este vinho francamente original não tiveram qualquer tratamento prévio, o vinho estagiou nesse ambiente poroso e natural, com o resultado final de grande frescura que se encontra na exploração. Atitude ousada, a de utilizar ânforas no Douro, mas por outro lado… por que não?

18,5 - Adegamãe Terroir Lisboa branco 2014 (12%) | Adegamãe - 39 euros
Vinho notável, sem dourados nem outros atractivos que nos façam estender a mão e levar, mas um verdadeiro tesouro para levar para casa e provar de dois em dois anos. Grande arte enológica por detrás deste néctar, a cumprir o desígnio mais grave e redentor, que é o do futuro.

17,5 - Adegamãe Touriga Franca Lisboa tinto 2016 (13,5%) | Adegamãe - 9 euros
Encontramos esta casta normalmente no Douro e associada à Touriga Nacional, mas este vinho faz-nos pensar sobre a que pode bem ser a casta menos olhada dentre todas as nacionais. Fresco e equilibrado, está aqui um bom demonstrador disso mesmo, notas de alcaçuz e salinas, termina longo e especiado.

18 - Mar de Rosas Lisboa rosé 2018 (13%) | Casal de Sta. Maria - 23 euros
Era fácil perceber que a revolução iniciada na edição de 2017 teria sequela ainda de maior gabarito, mas com esta fica clara a intenção do produtor de fazer um rosé de nível gigante, assim como o compromisso do enólogo Jorge Rosa Santos de se transcender em tudo o que faz das uvas mais atlânticas de todas.

18 - Entretantos Alentejo tinto 2013 (15,5%) | Adega Mayor - 100 euros
É uma homenagem a Manuel Azinhais Nabeiro, fundador do império Delta, que com a neta Rita criou e acarinho o projecto vínico da Adega Mayor. É um 100% Alicante Bouschet, pleno de notas minerais de grafite e é também a um tempo demonstrador da adequação da casta ao terroir e marca de potencial futuro.

19 - Niepoort Vintage Porto 2017 (19,7%) | Niepoort - 90 euros
Harmonia e equilíbrio são as palavras de ordem neste vintage único em que tudo foi posto em causa pelo criador genial de vinhos que é Dirk Niepoort, para chegar a um novo paradigma de vinho do Porto. E como conseguiu! É o mais tânico de todos os vintages Niepoort, mas ao mesmo tempo também o mais mineral e de taninos mais finos de sempre.

19 - Fonseca Vintage Porto 2017 (20%) | The Fladgate Partnership - 100 euros
É um colosso este vintage, pela potência e ao mesmo tempo elegância que mostra, com um grupo de amargos notável, apresentado sob um véu de enorme elegância. Poderoso e fresco, deixa memória que apetece revisitar logo após o primeiro contacto.

19,5 - Quinta da Roêda Sérikos Vintage Porto 2017 (20%) | The Fladgate Partnership - 250 euros
Sérikos quer dizer seda e fixa a memória da plantação de amoreiras para criação de bicho da seda, ao mesmo tempo que evoca a pós-filoxera que pôs o Douro em movimento até aos dias de hoje. As vinhas velhas são o grande património do Douro e o cuidado posto na produção deste vintage são a afirmação da maior dupla enólogo/viticólogo de sempre, corporizada por David Fonseca Guimaraens e António Magalhães.

20 - Taylor’s Vargellas Vinha Velha Vintage Porto 2017 (20%) | The Fladgate Partnership - 280 euros
Um vintage que representa só por si uma proposta de redefinição de vinho do Porto, perfeito no equilíbrio, na força e sobretudo na intenção com que foi feito. Dentro de cem anos, estará ainda e evoluir em garrafa e dele os vindouros dirão que este sim era o mais puro e perfeito. Não há vinho acima do melhor vinho do Porto.

terça-feira, 23 de abril de 2019

E viva 2017!

Acontece pela primeira vez na história da Symington e aconteceu muito poucas vezes na história geral do vinho do Porto, a declaração clássica de dois anos consecutivos de Vintage. Verdade é que à beleza e harmonia dos 2016, seguiu-se a potência e força dos 2017. Notável e histórico.

A natureza tem tanto de cíclica quanto de imprevisível. No admirável mundo do vinho não há duas colheitas iguais e os padrões são difíceis de estabelecer. O vinho do Porto é a um tempo ponta de excelência do universo vínico global e demonstrador do quanto é expressão da natureza. Cada campanha vitivinícola é irrepetível e única, a história tem-no demonstrado a arrepio até do nível elevado de conhecimento enológico e vitícola atingido. Estamos num patamar mais elevado a cada ano que passa, a ponto de num ano considerado clássico para vintage, a categoria excelsa do vinho do Porto, ao perfilarmos os vinhos produzidos damos com uma maioria de vinhos excelentes e os restantes muito bons. Não há região vitícola no mundo inteiro que dê este tipo de prova; mesmo nas grandes denominações de origem e terroirs famosos, a excelência é atingida apenas por uma minoria. Contribuição forte por isso para a nossa auto-estima, estamos melhor que nunca na nossa multissecular história. No entanto, estamos habituados a ter três ou quatro declarações clássicas de vintage por década e esta em que ainda estamos deu-nos apenas 2011 e 2016. Apesar da fantástica qualidade e diversidade produzida, o hiato de cinco colheitas sem vintage clássico chegou a por o mercado preocupado. O momento que estamos a viver é épico, com a Symington a declarar 2017 como ano de vintage clássico, ou seja com todas as suas marcas de topo a publicar vinhos do Porto desse ano. Nos quase 140 anos de história que a família tem no Douro e Porto, é a primeira vez que declara dois anos consecutivos. E qual a explicação? A natureza. É francamente raro conseguir-se condições excelentes em dois anos consecutivos. No caso de 1991 e 1992, umas casas declararam um ano, outras outro e de facto talvez pudesse ter já acontecido haver declaração nos dois anos, mas a história e o tempo tem demonstrado o acerto das decisões tomadas. Vamos ver como vão os restantes produtores reagir mas para já o vinho do Porto está em festa.
As condições da campanha de 2017 foram muito semelhantes às do mítico ano de 1945, especialmente nos aspectos de muito fraca pluviosidade e baixas produções. Em 2017, as perspectivas foram sempre pouco animadoras, com perdas de cerca de 20% de produção nas vinhas detidas pela Symington, num ano que chegou a ser desolador, com temperaturas a atingir máximos históricos e a chuva a teimar em não vir. As cepas sábias do grande vale do Douro, contudo, entenderam que as uvas iriam ser melhores ainda que em 2016. Não é só a natureza que é prodigiosa, a reacção da vinha é tanto ou mais surpreendente. Quando estava tudo relativamente sossegado em pleno Verão de 2017 de repente os cachos compuseram-se provocaram a vindima mais precoce de que havia memória, fazendo toda a gente interromper as férias para fazer a vindima. Fruta excelente, em particular a Touriga Franca, facto reconhecido por todos os produtores do Douro, concentrações óptimas e maturações fenólicas no zénite forçaram a vindima, e ainda bem. A prova dos vintages 2017 foi a todos os títulos notável, mesmo com a dos 2016 ainda viva na memória. À elegância dos 2016 seguiu-se a potência e mineralidade dos 2017. Dois perfis radicalmente diferentes, com a surpresa extra de se tratar de dois anos consecutivos. Claro que nós, apreciadores do vinho do Porto, só temos a ganhar e a partir de agora, por muitos e bons anos, seremos sempre obrigados a provar 2016 ao lado de 2017, em duetos, o que é ainda melhor. Boas provas!

18 - Warre’s Vintage Porto 2017 | Symington Family Estates - 75 euros
É o normalmente o vintage mais feminino e suave da Symington, e este ano, mantendo embora a estrutura equilibrada, foi a grande surpresa da prova. Vigor, taninos macios mas muito presentes e um comprimento interminável na boca. A Touriga Franca a mostrar claramente os seus trunfos, neste vinho cheio de força e futuro. É mesmo de comprar para guardar e ir bebendo, prazer garantido.

17 - Cockburn’s Vintage Porto 2017 | Symington Estates - 70 euros
Entrada de boca muito elegante, para depois crescer em volume de boca e intensidade. Tem notas terrosas, cítricas e florais, a base é principalmente de Touriga Nacional e neste vinho há uma mudança saudável do registo, a acompanhar em termos de evolução no tempo. Mais focado e rigoroso na combinação entre estrutura e acidez.

18,5 - Dow’s Vintage Porto 2017 | Symington Family Estates - 95 euros
Mesmo sabendo que o ano foi de luxo para a Touriga Franca, as notas clássicas de Touriga Nacional da especialíssima Quinta Senhora da Ribeira em que assenta este vintage são deliciosas e cativantes. Violetas e alfazema no nariz, alcaçuz e forte mineralidade na boca ficam na memória, colocando este vintage na lista de preferências do ano.

17,5 - Graham’s Vintage Porto 2017 | Symington Family Estates - 95 euros
Cerca de metade da composição deste vintage é Touriga Franca e a copiosa Quinta dos Malvedos marca a metade da proveniências das uvas do lote. O resultado é a assinatura de doçura pronunciada, característica da marca e que nesta edição se mostra equilibrada e com capacidade de guarda.

19 - Quinta do Vesúvio Vintage Porto 2017 | Symington Family Estates - 75 euros
Força, exuberância aromática através de notas de alcaçuz e bagas de arbusto, frescura notável na prova de boca, a exprimir mentolados e cogumelos frescos, num conjunto que cativa e deixa memória. Vinho cheio de personalidade e que se desdobra em nuances matizadas ao longo do final de boca, rico e seco.

19,5 - Capela da Quinta do Vesúvio Vintage Porto 2017 | Symington Family Estates - 150 euros
Pode considerar-se um vintage dentro de um vintage, pois só se produziu em três anos - 2007, 2011 e 2016, até chegar a este, produzido maioritariamente a partir da vinha da Capela, um dos micro terroirs da Quinta do Vesúvio, de vinhas velhas. O perfil único de concentração a par da intensidade que proporciona na boca é quase viciante - notas de chá verde - e a presença de Sousão sente-se pelos elementos terra que inspira.

19,5 - Graham’s The Stone Terraces Vintage Porto 2011 | Symington Family Estates - 200 euros
Mais um micro terroir do universo Symington que se tem vindo a afirmar com características excepcionais, este, como o nome indica, composto por socalcos tradicionais da Quinta dos Malvedos. Aromas de bergamota e notas tropicais - maracujá - a construir um ambiente que vamos encontrar também na boca. Taninos muito finos, densidade notável, estrutura indestrutível, com a acidez bem afinada.

The Fladgate Partnership declara vintages 2017

E aconteceu mesmo! Taylor’s, Fonseca, Croft, Krohn, Taylor’s Vargellas Vinha Velha e Croft Sērikos acabam de ser declarados Vintage 2017. Ou seja, as quatro marcas principais da The Fladgate Partnership e duas mais de vinhas velhas. Maravilha, grande notícia para o vinho do Porto!
Depois de a Symington Family Estates declarar também os seus 2017 clássicos - depois de em 2016 ter feito o mesmo - agora podemos festejar em grande. Dois anos vintage clássico consecutivos é um marco histórico no vinho do Porto.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

O fumo da paixão

Envergonha qualquer jornalista o levantamento feito pelo chef Nuno Diniz do fumeiro nacional. Em década e meia de trabalho tão discreto quanto intenso, anotou, visitou e provou mais de uma vez o que se faz de norte a sul do país. De forma simples, devolveu os louros aos produtores.

Vamos tentar ser pragmáticos e honestos para com o termo artesanal, pelo menos para admitir que continuamos a querer que tudo nos apareça feito e pronto à frente. Nesta altura do ano, grassam as feiras de queijos e enchidos nas grandes superfícies e supermercados, a oferta copiosa de uns e outros dá-nos a impressão de riqueza e qualidade e claro que nos aproximamos para ver mais de perto e cumprir o desígnio herdado dos romanos, manter uma despensa bem fornecida. Tudo certo, tirando a profusão e confusão de nomes, denominações de origem e certificações DOP ou IGP, que insistem em não significar necessariamente qualidade. Vamos a uma feira local de presuntos e enchidos e apetece-nos comprar tudo, ao passo que numa gôndola de um qualquer hipermercado a relação com cada peça é anódina e desprovida de história, remetendo-nos para o ardil do preço ou para o aspecto da marca. Está certo e compreende-se que tenha de ser assim, resulta directamente do comércio por que nós próprios puxámos e pelo quanto nos arredámos do contacto directo com os produtores. O chef Nuno Diniz, que conheci oficiante em casas de gabarito e junto de veneráveis, foi ao longo de anos - 14, diz ele - puxando o fio do fumeiro através das gastronomias regionais que temos. Movido pela função pedagógica, para que tem inegável talento, ligou-se à Escola de Hotelaria de Lisboa e ao longo dos últimos anos ancorou conhecimento precioso naquela casa, deixando nos corações dos criadores de amanhã a centelha do bom produto. E para gaúdio de alguns de nós, os normais, promoveu de tempos a tempos experiências de cozidos, espaço de experimentação da bateria de enchidos e fumeiro diverso que foi desbravando. Eu assistia à torrente com alguma circunspecção, confesso, mas como pessoa intelectualmente orientada que Nuno Diniz é, confiei que todo o comboio de informação iria um dia ter a uma estação feliz. Entre Ventos e Fumos, chama-se o livro que com a chancela da Bertrand foi lançado um livro que dá conta de tudo. Eu vivia constrangido com a evolução da lista dos produtos DOP que mostrava, vaga e pouco esclarecedora, limitando-se a listar e relatar, em vez de descrever. Na mais recente edição do cozido, servido num almoço memorável na escola de Lisboa, rondava os 80 o número de enchidos e carnes servidos. Cada um com a sua história, cada história com a sua peça.
Mas tudo isto é ainda quase nada, importante é a criação de relações - networking no seu melhor - entre as diversas comunidades que orlam o artesanato do fumo, e aqui surgem algumas perplexidades, todas positivas. Primeiro, a comunidade da cozinha erudita comparece e responde à chamada de Nuno Diniz, que nem sempre foi devidamente considerado um dos pares. Depois, o país inteiro, continente e ilhas, está atento e segue de perto os movimentos do chef Diniz, reconhecendo-lhe, só com isso, o que até agora tem sido impossível, que é representar a classe, independentemente de estilos e estatutos. José Avillez tem o dom da liderança, sem dúvida mas Nuno Diniz tem a neutralidade imperativa para a exercer. Espero vê-lo em funções muito em breve, precisamos muito de alguém como ele.
O assunto dos cozidos, a começar pelo famoso “à portuguesa”, que ninguém sabe bem o que é mas que todos mesmo assim o chamam ao peito, está no capítulo da cozinha de proximidade, um dos grandes redutos da cozinha portuguesa. Isso tem o imperativo imediato da geografia. Não tem sentido comprar um enchido de cada canto, atirar tudo para a panela e no fim chamar-lhe um cozido. Não é. Há por toda a Europa cozidos notáveis, destaco especialmente os do norte da Alemanha, sudoeste francês e Noruega, pela matriz forte de sabor e pela expressão de terroir e autenticidade que comunicam. E é qualquer coisa que vive nos lares e se executa em festa, com sentido de partilha. Nós também a temos, note-se, a nossa mesa é toda ela de festa, mas tenho algum medo que se perca a essência dessa mesma festa e que o registo regional desapareça de vez. Os lineares dos hipermercados a isso nos conduzem, e era tão importante que utilizassem a força comercial para nos orientar! Temos bons enchidos, muito bons até, mas não podemos perder de vista os legumes e as carnes, nem podemos desistir de chegar à transformação da água em ouro, desde que se começa a cozer as diferentes partes até ao momento derradeiro em que cozemos as couves. Vejo as pessoas muito perdidas por ali, uma farinheira da Beira Alta, um chouriço de carne de Barrancos, uma morcela de arroz de Leiria, e não devia acontecer assim. Fundador o trabalho de Nuno Diniz também por isso, põe-nos a todos mais perto dos produtores, e devolve a estes o que é deles. E nós podemos começar a dormir descansados, temos líder!

domingo, 31 de março de 2019

Os primeiros vinhos da Adega 23

Fica no concelho de Vila Velha de Ródão esta bonita adega, e bordeja altaneira a A23, a decisão de adoptar a marca Adega 23 por parte da proprietária, Manuela Carmona, é mais que acertada. Belos vinhos, enologia a cargo de Rui Reguinga.

16,5 - Adega 23 Primeira Colheita Terras da Beira rosé 2017 (13%) | Adega 23 - 12 euros
Estreia do produtor, castas Aragonês e Rufete. Fresco e poderoso, anuncia-se frutado no nariz, e depressa na boca se revela melhor, notas salinas e cogumelos frescos. Comprimento apreciável, evolução média na boca, cumpre os requisitos de um rosé petisqueiro e que se pode chegar sem problemas a uma blanquette de vitela ou a gratinados de queijo no forno. Boa surpresa!
17,5 - Adega 23 Primeira Colheita Terras da Beira branco 2017 (13%) | Adega 23 - 12 euros
Verdelho, Arinto, Viognier e Síria. As impressões florais e minerais dominam o primeiro contacto com o vinho, depois mostra ameixa branca e nêspera na boca e um percurso vagaroso e glorioso, repleto de impressões terrosas a cogumelos, para terminar num grupo de amargos interessante, um branco brilhante.
17 - Adega 23 Primeira Colheita Terras da Beira tinto 2017 (14,5%) | Adega 23 - 12 euros
Syrah, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Rufete. Ameixa cozida, trufa preta, mineralidade acentuada, caso muito sério para carnes grelhadas, e vale por si próprio e pelo prazer que dá a beber. Como uma pedra que pomos na boca e depois liberta fruta preta confitada, num ciclo até viciante. Além da óbvia vocação para as brasas, vai bem com pregado ao vapor, alcaparras e beurre noir.

domingo, 17 de março de 2019

A redefinição da espetada

Se lhe parece uma espetada normal, olhe de novo e veja, da esquerda para a direita:
- Secreto de porca ibérica
- Toucinho fumado
- Diafragma de vitela
- Pimento vermelho
- Chouriço de colorau caseiro
- Cordão de porca ibérica
- Pimento verde
- Salsicha fresca
- Cebola
- Diafragma de vitela
- Pimento vermelho
- Linguiça fresca
- Pimento verde
- Cebola
- Chouriço de colorau caseiro
- Secretos de porco ibérico

Sal e grelha, nada mais. Suculência e sabor a toda a prova. Só mesmo no Talho Europa, na Rua Costa Cabral (Porto), pela mão do gigante Arnaldo Lopes.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

O que podes controlar

Podes controlar:

Aquilo em que acreditas
A tua atitude
Os teus pensamentos
Os teus pontos de vista
A tua honestidade
Quem são os teus amigos
Os livros que lês
O exercício que fazes
O tipo de comida que escolhes
Os riscos que corres
Como interpretas cada situação
O bem que fazes aos outros
O bem que fazes a ti próprio
As vezes que dizes “gosto de ti”
As vezes que dizes “obrigado”
Como exprimes os teus sentimentos
Se pedes ajuda ou não
Se praticas a gratidão
As vezes que sorris
O esforço que fazes
Como gastas ou investes o teu dinheiro
O tempo que gastas a preocupar-te
As vezes que pensas no teu passado
Se julgas ou não os outros
Se depois de uma desilusão voltas a tentar
O quanto te contentas com o que tens.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O omnívoro focinhudo que adoramos

Começa o ano chinês do porco e com ele a inevitável leitura agroculinária do mito popular que envolve o nosso amigo suíno. Não há antigos que não lhe tivessem feito as loas nem religião que não o tivesse amaldiçoado, e é de todos os animais sacrificiais o que melhor se adaptou ao gosto dos locais. Nem nós escapámos.

Há que dizer à cabeça que nem de propósito, o maior consumidor mundial de carne de porco é a China, arrebatando praticamente metade da produção em todo o mundo. Vive-se o momento de transição na astrologia chinesa, está aí o ano do porco, que reza o mito terá chegado atrasado na altura da distribuição dos doze anos e ficou com a que restava. Tudo o que é do porco demora tempo e permanece, é de resto a dualidade entre efémero e eterno que caracteriza o porco no curso da história da alimentação. Reza o inefável provérbio popular que um sabor tem cada caça, mas o porco cento alcança; A carne do porco é a carne mais saborosa. Por outro lado e talvez por isso mesmo, achamos que nos faz mal, estabelecendo a costumeira dialética maniqueísta de que nós humanos fomos sempre torpes em libertar-nos. Pelo sim pelo não, as religiões mais antigas proscreveram-na, ainda que com intensidade diferente. O Corão proíbe terminantemente o consumo da carne de porco e o todo o contacto com o animal. Maomé era ele próprio dissidente de uma linha de poder temporal que percebeu ganhar força junto do povo odiando o porco e vendo nele o diabo, o animal no qual incarnavam todos os espíritos impuros. Não surpreende por isso que o simpático mas temperamental quadrúpede pagasse as favas. Ser bipolar nunca lhe angariou grande fama, diga-se em abono da verdade e a obsessão em afocinhar tudo fê-lo descer abaixo da condenação rastejante imposta à cobra pelo processo do fruto proibido. Fica automaticamente feita a ponte para o mundo judaico-cristão, de onde vem não se sabe, apenas se especula. E não podemos esquecer que Moisés foi educado na norte faraónica do Egipto, onde o porco era Seth, o deus do mal. Claro que lavrou no Levítico, terceiro livro da Tora e parte fundadora do Antigo Testamento, que estava vedado o consumo de carne de suíno, assim como o contacto com os seus cadáveres. Os pés que tradicionalmente fazem parte do retrato do diabo não são mais que pés de porco, de unha dividida. Olhamos para o budismo e de repente em termos suínos até parece um oásis. Obcecados com o não-derramamento de sangue inocente, os clássicos do império do meio foram sempre tolerantes, num cenário contudo manchado pela lenda de que Buda morreu depois de consumir carne de porco estragada.
Todas as cozinhas do mundo civilizado reservam ao porco parte importante nos seus receituários mais clássicos. Surge por isso como pressuposto óbvio que o porco foi a primeira espécie verdadeiramente domesticada pelo homem, provavelmente no neolítico, entre 8 e 6 mil anos antes de Cristo. Entre o médio e o extremo oriente, num longo processo, ao deixar de se perseguir e comer o javali - marca dos tempos da era nómada - a espécie foi perdendo o pêlo e os dentes, oassando de “sus scrofa” a “sus scrofa domesticus”. É o porco tal como o conhecemos, numa diversidade extraordinária de raças e tipos que entretanto se foram definindo. Não há porco completamente escorreito, o sangue selvagem correr-lhe-á sempre nas veias, mas a forma como vive, come e se exercita é praticamente perfeita. O seu património genético é notável e exercitou-se ao longo de milénios na adaptação ao meio em que vive. Profundamente rústico e admiravelmente moderno. Apício (Séc. II d.C.) dedica-lhe no seu “de re coquinaria” uma sofisticada receita de leitão assado com massa seca, mel e vinho que se deve preparar na panela com louro fresco. Recheia-se o reco com o preparado logo que amolece, espeta-se para fechar e leva-se ao forno para assar. Dois mil anos não mudaram praticamente nada e a essência do tratamento dado ao leitão permanece. Pouco tempo depois de Apício, Plínio diz tudo ao postular que quando os animais cozinhados têm cada um sabor, a carne de porco tem cinquenta. O mundo grego clássico - Arquéstrato viveu e escreveu no Séc. IV a.C. - tinha uma dieta assente em cereais, mas nem por isso o porco deixava de pontificar no quotidiano de então. Infelizmente, coziam o leitão para a sua mantença, o que é uma dor de alma, apesar do momento não ser de criticar mas sim de sondar… Por outro lado, nas festas e momentos especiais, assavam no forno leitões previamente alimentados com mosto de uvas e recheados com ervas. Quem mais honra hoje o leitão no modo de assar em todo o mundo é a Bairrada, cuja preparação passa por barrá-lo com pasta de alho e pimenta. Nós também cozemos o porco, que seria dos nossos cozidos sem as entremeadas, as orelheiras e as papadas!
Perdemo-nos nos processos e tradições do acto em si quando olhamos a frio para uma matança de porco, nos tempos que correm tomamos partido sem saber das partes. O mundo gelou de um momento para o outro e aparentemente não quer mais saber do produto inteiro, seja porco, novilho, robalo ou polvo. Mas é aí que está uma das grandes glórias e explicações da cozinha portuguesa; segue desde sempre a lógica do produto inteiro, e nessa linha o porco é campeão. A matança é o momento sacrificial e festivo no qual tudo se entende. Nem que seja por curiosidade, há que chegar mais perto para entender de que se trata e para chegar ao esclarecimento do assunto que é a geografia e o ritual. Aprende-se, por exemplo, o que é o redenho, a grande bolsa gorda e fibrosa que envolve as vísceras e que de imediato se transforma em torresmos deliciosos; o precioso sangue, que se vai escorrendo para recipiente mexendo sempre para não coagular, dele se fazendo o sarrabulho, um clássico da mesa portuguesa. Na linha mais dura e fundamentalista, também se trabalha os bofes - pulmões - do porco, parte importante para perceber pratos como sarapatel. Ouvimos para nunca mais esquecer a estridência dos gritos do bicho preso em agonia, o que afasta muitos da festa da matança, é um lado que a ninguém agrada, mas os trabalhos intermédios são tantos que há que prosseguir com coragem até ao fim. No matadouro, os bichos são depositados e abatidos de véspera, para cumprir todos os requisitos de higiene e segurança e para que por exemplo as peças certificadas com indicação geográfica possam ser produzidas. Com a faceira - cabeça - do porto faz-se a salga imediata, de resto o mesmo tratamento que o chispe - unhas -, pernas e mãos, estes futuramente presuntos e paletas, respectivamente, após o competente trabalho do fumo ou do arejamento condicionado. Lombos, lombinhos, papadas e presa serão também extraídos e conduzidos ao destino programado, a economia do porco é virtuosa e não falha. Começa nesse instante também a fabulosa colecção de enchidos, ensacados, enguitados e peças de maior ou menor nobreza, e por que vamos pagar bom e merecido preço.
A matança é em si mesma rústica e não faz parte dos ritos urbanos que marcam a modernidade. O esclarecimento, contudo, uma pressão premente das novas gerações e da nova forma de olhar o produto. Os talhos apresentam os mapas dos animais, com as diversas partes, mas raramente mostram os cortes que aprendemos a provar nos restaurantes. Cachaço, bochecha e barriga, cada um com as peças secreto e pluma apensas, não aparecem. Chegamos junto do nosso talho favorito, pedimos para ver secretos do cachaço e da bochecha, e ou não estão disponíveis ou não entendem o que estamos a pedir. Só junto de um produtor responsável conseguimos deslindar o mistério, mas no fim vamos ter o enorme desapontamento de ver a peça crua imensamente gorda que pode ser o secreto da barriga. Claro que grelha bem, ela está cheia de gordura, aguenta o rigor das brasas sem problemas, mas pode não ser a carne boa que pensamos que estamos a dar aos nossos filhos à mesa de uma casa comercial. Por outro lado, quando nos damos conta da excelsa qualidade da peça única de que é feito um paio do lombo, e do imenso trabalho que comporta até chegar às nossas casas, admiramo-nos a ponto de achar o preço acessível. E há a ideia simpática da partilha, além da durabilidade; uma peça dá para muitos momentos, sem perda de qualidade. É imperativo ter tudo em conta, história, origem, e processamento sempre que avivamos brasas para receber um entrecosto, e perceber que o requinte de uma simples sopa de unto é tão grande quanto o de um lombo de porco assado com trufas. Cheguemo-nos ao porco, merece e merecemo-lo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Batata que és tão bela, vais ou não prá panela?

As variedades Agria (casca branca) e Laura (casca vermelha) são as melhores para fritar. Fim do preconceito em relação à cor da casca.
A variedade Agria tem sido considerada a melhor para fritar, mas hoje recomenda-se também a Laura, menos conhecida. A primeira é de casca branca, a segunda de casca vermelha, o que só por si deita por terra a regra – falsa, já se vê - que diz que as brancas são para fritar e as vermelhas para cozer. O conhecimento verdadeiro vive sobretudo e realmente de excepções. O que é então uma boa batata para fritar? A de polpa amarela, coloração que decorre do elevado teor em amido. Fritas ou em puré são as melhores. Já para cozer, deve utilizar-se as de polpa branca, menos ricas em amido e com mais açúcares de cadeia curta, escurecendo por isso se dadas à fritura. Aqui, a variedade Jaerla é a melhor, por ser também rica em sabor. Na dúvida, devemos optar pela Picasso, vulgarmente conhecida como “olho de perdiz”. Essa dá para as duas funções, fritar ou cozer.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Está de assobio!

16,5 - Murças Assobio Douro tinto 2017 (13,5%) | Murças - 5,5 euros
Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, o blend mais duriense que se pode pensar, aqui contudo declinado com uma intensidade especial na Touriga Franca, e uma frescura possível apenas com vindima e vinificação cuidadas. Está de assobio este Murças.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Viva a casta Antão Vaz... e no terroir certo!

17,5 - Herdade do Peso Colheita Alentejo branco 2017 (13%) | Sogrape - 9 euros
100% Antão Vaz. Estágio de 6 meses barricas de carvalho francês. É o primeiro Peso branco de que me lembro que não se fica para cá da fruta, antes vai mais além. A um tempo cítrico e floral, há aqui uma expressão pura da casta, produzida na latitude certa e com mão enológica venerável.

sábado, 5 de janeiro de 2019

O vinho do Porto e o bolo-rei

A categoria 10 Anos do vinho do Porto tem características únicas e distintivas das restantes categorias. Para a sentir e entender melhor, nada como uma prova com o bolo dos reis, ou bolo-rei. Facilmente surgirão novas ideias.

O vinho do Porto divide-se normalmente em dois grandes grupos, tawnies e rubys. Os primeiros, como o nome indica, aloiram ao perder cor com o envelhecimento no ambiente dito oxidativo dos grandes balseiros, enquanto os segundos envelhecem em garrafa, preservando a cor por mais tempo ao envelhecer em ambiente redutivo, com muito pouco contacto com o ar para além do que existe dentro da garrafa. A estes dois, contudo, há que acrescentar o porto branco, que corresponde aos vinhos do Porto que não foram macerados nas películas como as outras duas categorias mas que envelhecem, também eles, em balseiros e vasilhas de grande dimensão. É por isso que no grande grupo dos 10 Anos, uma das categorias dos vinhos do Porto com indicação da idade, junta brancos e tawnies. Nos brancos sentimos mais a frescura, as notas florais e de toffee ligeiro, enquanto nos tawnies há mais profundidade e aptidão gastronómica. Quem se serve avidamente de ambos é o bolo-rei, por conter nuances que acolhem tanto as notas frutadas como as balsâmicas. A massa de base é normalmente brioche, rica em ovos e leite, declinada depois no bolo-rei típico, com frutos cristalizados dentro da massa e na cobertura, ou com frutos secos, tais como amêndoa, nozes e pinhões, a que por oposição se chama bolo-rainha. Propomos por isso um périplo diferente pelo sempre fabuloso universo do vinho do Porto, com um elenco de luxo na categoria 10 Anos. Bom dia de Reis!


Os 10 Anos que queremos ter sempre à mão

O bolo-rei não é o único desafio que temos ao longo do ano, em termos de doçaria e sobremesas caseiras. Provámos e alinhámos os que obtiveram as melhores pontuações e tivemos algumas surpresas, todas boas. Justifica o investimento em vinhos do Porto 10 Anos e prova continuada, à mesa ou fora dela. Boas provas!

17 - Andresen 10 Anos Porto Branco (50cl) | Andresen - 17 euros
Muito fino na boca, aromas cítricos e de nougat, confirmados na boca, invulgarmente complexa. Desempenho brilhante com a massa de brioche que compõe o bolo-rei, melhor ainda com o bolo-rainha.

16 - Messias 10 Anos Porto Branco (50cl) | Soc. Agr. e Com. Messias - 14 euros
Vinho vigoroso e cheio de personalidade, a beneficiar do conhecimento da casa em matéria de portos e respectivos stocks, apto para diversas harmonizações. Lote muito feliz.

17,5 - Dalva 10 Anos Porto Tawny | C. da Silva - 20 euros
Brilhante e avassalador, quase a fazer esquecer que se trata de um 10 Anos. A casa possui stocks extensos e ricos que lhe permitem fazer preciosidades destas a preço convidativo. Resolve bem o bolo-rei.

17 - Quinta de Ervamoira 10 Anos Porto Tawny | Adriano Ramos Pinto - 25 euros
Um vinho do Porto para visitar todos os dias, enquanto se vai consumindo o bolo-rei devagar, como é costume nos lares portugueses. Notas exóticas de frutos secos e passas de uva, num belo conjunto.

17 - Preguiça 10 Anos Porto Tawny | António Fraga - 15 euros
Bom exemplo de um tawny 10 anos do produtor, iniciativa que saudamos e queremos ver repetida mais e mais vezes. A doçura é acentuada e vai directa à fruta cristalizada do bolo-rei. União feliz.

16,5 - Cálem Velhotes 10 Anos Porto Tawny | Sogevinus - 15 euros
Marca clássica no mundo mais tradicional e popular do vinho do Porto, a que talvez por se ver nas prateleiras dos cafés não inspire a maior confiança ao apreciador iniciado. Nada mais errado, é um vinho inteiro e fresco, a clamar por prova.

16,5 - Sandeman 10 Anos Porto Tawny (50cl) | Sogrape - 12 euros
Junta notas de frutos vermelhos e frutos secos num mesmo vinho, num universo de aromas que o tornam num vinho de prazer. Companheiro indefectível do bolo-rei.

(Artigo de 5/Jan/2018)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Rosé fit for fight

17 - Pacheca Touriga Nacional Reserva Douro rosé 2017 (13,5%) | Quinta da Pacheca - 17 euros
Eminentemente cítrico no nariz, foge do “standard rosé” das notas de morango e bagas de arbusto que, diga-se o que se disser, não nos ajudam nada a considerar um rosé como um vinho standard, orientado para a mesa. E de facto é essencialmente um vinho festivo, que em princípio bebemos antes dos brancos, numa sequência de prova. Este, estreme de Touriga Nacional, há-de ter sido produzido em bica aberta, com algum estágio pelicular antes e depois da fermentação. Mas monta uma prova de boca fresca, equilibrada, e oferece um comprimento de prova muito raro num rosé. Decidi “oferecer-lhe” uma tortilha de batata com muitos coentros e bateu certo! Amêijoas à Bulhão Pato irão bem também, e umas gambas al ajillo com um pouco de piripiri vão pô-lo fit for fight.

Multiusos duriense

16,5 - Alta Pontuação Douro branco 2017 (13%) | Alta Pontuação - 7 euros
Viosinho, Rabigato, Gouveio, Malvasia um pouco de Moscatel, uvas de vinha virada a nascente, 475 metros de altitude. Jorge Coutinho conhece bem o Douro e produziu um branco flexível - sem madeira - , apto à prática do peixe grelhado e à empreitada petisqueira. De destacar a contenção no grau alcoólico, o que o pode tornar amigo do sushi e de outras orientalidades.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Taninos de ourives

18,5 - CV Curriculum Vitae Douro tinto 2016 (14,5%) | Quinta Vale D. Maria - 65 euros
Presença forte de Touriga Franca e Tinta Amarela neste vinho de vinhas velhas, labor da enóloga Joana Pinhão. Convivemos com o vinho depois de recuperar do bom choque que é a elegância e equilíbrio dele na boca, perfil de grande clássico. É francamente cedo para o beber, mas vai ser muito difícil resistir, decantado com cuidado e vagar abre porta após porta, deixando ver por exemplo a robustez balsâmica da Rufete (Tinta Pinheira), que faz parte do elenco principal de castas. A Touriga Nacional não se evidencia neste conjunto, antes convive - acontecimento raro - com o lote em harmonia. Final interminável, sempre em elegância.