domingo, 4 de junho de 2023

39 Cozinha baiana: Feijoada baiana 7/Jan/2009 | Jornal Público

Feijoada Baiana


É o prato que as pessoas mais relacionam com o Brasil e um dos seus grandes ícones culinários. A sua tónica popular e a frequência com que se produz e consome, ilude, no entanto, em relação à sua história e essência. É que, sendo um prato relativamente corrente – quem não provou uma das “nossas” feijoadas, à transmontana, por exemplo? – marcou sempre presença nas mesas nobres do Brasil. No deleite historicista, no encontramos uma origem apenas para as coisas, deixando-nos sossegados e tranquilos, a conclusão mais frequente era a de que a feijoada começou por feita pelos escravos, a quem de vez em quando era concedida a benesse de enriquecer a sua dieta de feijão e mandioca com restos das carnes e dos enchidos dos patrões. Nada mais errado. Infelizmente, a alimentação dos escravos cingia-se mesmo aos pratos ralos de feijão com puré de mandioca e talvez uns gomos de laranja, e esta última para manter afastada a ameaça do escorbuto. Ao mesmo tempo, temos de dar algum crédito aos índios da América do Sul. Os cronistas portugueses do tempo do descobrimento do Brasil relatam muitas vezes a alimentação dos indígenas, fortemente baseada em feijão – preto, local - e favas. Referidos como novidade absoluta são também a farinha de mandioca, a malagueta e o milho, de proveniência claramente sul-americana. Hoje julgamo-los oriundos de África, mas não o são; eles é que para lá levados.

Chamamos-lhe brasileira, mas a mistura de carnes com feijões é coisa totalmente europeia. A portuguesa não deixa margem para dúvidas, e ao feijão encarnado ou manteiga junta desde coisas saborosas, como chouriço, orelha e pé de porco e entrecosto, entre outros. A “cassoulet” francesa apresenta outras nuances mas na essência repete a operação e pratos italianos diversos também levam a fixar, em definitivo, a origem do prato no Velho Continente. Quanto à estratificação social, o que podemos e devemos dizer é que todos comiam feijoada, assim como hoje todos a comem. Os enchidos de porco, arte em que nunca é de mais referir o afã conseguido dos portugueses, eram uma verdadeira e rara riqueza, ornando os serviços da feijoada e elevando-a aos píncaros da cozinha do palácio imperial. No Séc. XIX, quando se estima que a feijoada começasse a ser servida com a configuração que hoje lhe conhecemos, os enchidos eram por todos procurados, ficando-se os mais pobres pelos mais rústicos, deixando os mais abastados para os paios e chouriços dos lombos.

Quanto ao feijão, é única a versão baiana em relação a todas as outras por oferecer o feijão mulatinho. Ponte directa para o velho e nordestino Portugal. Ocasião conceptual para propormos, muito a propósito, o “2 Worlds” (15 Euros), da Quinta do Alqueve, um vinho ribatejano produzido a partir da muito portuguesa Touriga Nacional e da muito internacional casta Cabernet Sauvignon. Apresenta uma acidez adequada ao corte do prato que em cada garfada nos vai sempre fazer lembrar dos dois mundos estão ligados por muito mais que a língua portuguesa.

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