quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Ensaio: Qual é o meu Porto favorito?

Percorremos os lineares dos supermercados, chegamos à zona dos vinhos e corre tudo mais ou menos bem, mas quando chegamos aos vinhos do Porto instala-se a confusão. Preços, estilos e marcas cuja lógica nos transcende, e não há quem nos socorra para nos ajudar na senda de pelo menos saber qual é o nosso vinho do Porto favorito. E se o exercício é difícil para si que é português, imagine a confusão para um não-iniciado de uma qualquer parte do globo! Mesmo assim, não desespere, deixamos-lhe um guia rápido com que pode desbravar a selva vínica e tirar o melhor partido da melhor bebida do mundo que é o vinho do Porto. Acreditamos que só pela leitura que lhe propomos rapidamente vai perceber a que grupo de fãs pertence.


Pink

O que se tinha como impossível acabou por se tornar uma das novidades mais telúricas de todos os tempos na longa, sustentada e ultraconservadora trajectória do vinho do Porto. Aconteceu pela mão da Croft - do universo Fladgate - em 2008 e logo muitos outros se lhe seguiram. O que tem este vinho de tão especial? É simples, festivo e está na moda. Graças a um processo complexo de produção, conseguiu-se a partir de uvas tintas um vinho do Porto super-aromático, pouco tânico e pouco extractivo, resultando numa coloração suave e aberta. Na boca é muito fresco e leve é dado a ser bebido on the rocks, integrado em cocktails ou simplesmente gelado.

Experimente com: leite-creme, gelado de morango ou cajus com wasabi.

Preço: €-€€




Branco


Estamos na única categoria de vinho do Porto em que por um lado a doçura - Extra Seco, Seco, Doce e Lágrima - é factor diferenciador, e por outro encontramos vinhos de graduação alcoólica relativamente moderada. É por isso um dos vinhos mais flexíveis de toda a gama. A Malvasia Fina é uma das castas nobres do Porto branco e está presente desde o séc. XII, pela mão dos monges de Cister Em S. João de Tarouca. Juntam-se-lhe Gouveio, Viosinho, Moscatel Galego e Rabigato.


Dry White - É o vinho em que se apoia a solução brilhante que é o Porto Tónico. Assume o lugar do gin no cocktail mais popular do mundo e tem conquistado adeptos em todos os mercados. Apesar da designação de “seco”, é um vinho doce, como todos os Portos, apenas é menos copioso. Trabalha bem na mesa petisqueira e é aperitivo de excelência.

Experimente com: bola de bacalhau à moda de Lamego, pêssego assado no forno ou presunto fatiado.

Preço: €-€€€


White Reserva - Tem doçura média a elevada e é muito intenso no sabor. É amigo da família e muito orientado para a doçaria tradicional. As casas nacionais têm no entanto vindo a disponibilizar vinhos surpreendentes, derrubando todo e qualquer preconceito. A arte do lote entre os grandes criadores de vinhos reserva-nos ainda muito para descobrir. O exame simples à translucência mostra por vezes ocres carregados, sinal da presença de vinhos muito velhos num lote, vale a pena o exercício. E a compra, claro!

Experimente com: conservas de peixe, queijos velhos de vaca ou chocolate de leite.

Preço: €-€€


Branco com indicação de idade - Temos de estar preparados para encontrar vinhos de qualidade máxima nesta categoria. 10, 20, 30, 40 anos são os mais comuns e a complexidade é impressionante em casas como a Andresen, especialista profunda em portos brancos velhos.  Curiosamente, o vinho do Porto branco e o tinto - tawny - aproximam-se na cor com o passar dos anos e nalguns casos a a elegância consegue ser superior à do próprio tawny.

Experimente com: torta de laranja, pão-de-ló ou chocolate praliné.

Preço: €€-€€€€



Ruby


Têm origem em castas tintas e envelhecem em garrafa, em ambiente redutivo. Preservam por isso a cor e a concentração, e estão ávidos por oxigénio. Na categoria suprema do Vintage, a experiência de abrir e decantar uma boa garrafa é inefável, só quem nunca experimentou fica indiferente. Cor normalmente retinta, aromas de fruta de arbusto, sabores muito fortes e pronunciados de compota, especiarias e minerais.


Ruby Reserva - Examinados à translucência, mostram reflexos rubi vivos e muito luminosos, quase funcionando como filtro de cor da luz que fazemos incidir neles, quase sem perda de intensidade. São lotes de vinhos de anos variados, idade mínima de 3 anos e alguns escondem pequenas quantidades de vinhos muito velhos ou muito especiais. O exame visual à luz revela por isso algumas vezes matizes mais evoluídos que a média, quase fazendo acreditar que estamos perante vinhos bastante mais velhos do que na realidade são.

Experimente com: bolo de chocolate, tarte de banana ou queijo de cabra curado novo.

Preço: €-€€


LBV - A sigla tem-se imposto, relativamente à designação por extenso de Late Bottled Vintage, e corresponde a um ruby de um só ano e mais pronto a beber, por ter mais tempo de envelhecimento em casco - 4 a 6 anos - até ser engarrafado. Há casas que se dedicam a esta categoria como seu produto de proa, por isso não deve em momento algum ser considerado menor em relação à oferta geral de vinho do Porto. Tem a virilidade e corpo dos grandes vinhos, com a grande vantagem de ser mais resistente à oxidação. A sua exposição mais oxidativa no período de estágio garante essa maior estabilidade. Nas nossas casas, traduz-se ainda em mais tempo disponível para o gozarmos.

Experimente com: Fondant de chocolate, Frutas cristalizadas cobertas de chocolate ou nougat de amendoim.

Preço: €€-€€€€


Single Quinta Vintage - Trata-se da categoria que é normalmente produzida em anos não-clássicos, ou seja, quando não há declaração generalizada de determinado ano de vinho do Porto. No entanto produtores como a Quinta do Noval ou a Quinta do Vesúvio, por exemplo, produzem todos os anos vinhos do Porto single quinta, pelo que uma vez mais não deve ser considerado um produto menos brilhante ou capaz. É uma expressão até mais fina de um terroir - solo e clima -, com marcas e características específicas. Envelhecem normalmente com muita elegância.

Experimente com: Chocolate com mais de 85% de cacau, queijo Serra da Estrela velho ou bombons com recheio de frutos vermelhos.

Preço: €€-€€€€


Vintage - É a categoria suprema de qualidade no domínio Ruby e é também a que tem uma espécie de bolsa de valores que os investidores e negociantes utilizam para estabelecer preços e tendências de consumo, tal a fiabilidade e qualidade da produção. Em anos clássicos, no espaço de apenas alguns anos após o lançamento o seu valor de mercado pode atingir 10 ou 20 vezes o preço inicial. Envelhece muito devagar justamente por estar engarrafado praticamente desde o início, o que o transforma num produto financeiramente estável.

Experimente com: Steak au poivre (em homenagem a Rolf Niepoort), chocolate 100% cacau ou queijo Stilton não pasteurizado.

Preço: €€€-€€€€€



Tawny


Tawny quer dizer “louro” ou “alourado”, e decorre da perda gradual de cor que vai acontecendo no desenrolar do processo longo de estágio em madeira, dito oxidativo. Ao contrário do que acontece na evolução do ruby com o tempo, mantendo estrutura, cor e corpo praticamente incólumes, um tawny vai abrindo nuances de cor, aroma e sabor que o tornam fascinante. É no tawny que está a essência clássica e tradicional do vinho do Porto. Associamo-lo aos grandes cascos de madeira e ao vinho que melhora com o envelhecimento, tanto que há tonéis com mais de 100 anos e que são autênticas relíquias. “Envelhecer como o vinho do Porto” é expressão bem portuguesa e corresponde a dizer que é um vinho eterno. Tradicionalmente, o vinho do Porto faz-se para os netos, ou seja, para duas gerações depois. Muito do seu charme está nessa função e valor de legado familiar.


Tawny Reserva - O estágio mínimo de três anos já altera estrutura mas muitas vezes não o suficiente para lhe dar a cor alourada que imaginamos. Junta-se à arte de produção de vinho do Porto uma outra, a arte da construção dos lotes. O resultado final, contudo tem boca doce, frutos secos caramelo e afins, enquanto o nariz é fresco e evocativo de compotas de framboesa e morango. Está tudo ainda por fazer mas o vinho já é bem agradável num final de refeição, a meio da tarde, quando não mesmo à refeição.

Experimente com: gelado de baunilha, biscoitos de manteiga ou marmelada.

Preço: €-€€


Tawny com indicação de idade - Reconhecemo-los facilmente pelos números 10, 20, 30 e 40 em destaque no rótulo e candidamente aceitamos os preços totalmente diferentes a que uns e outros são postos à venda. Muitos entram nas centenas de euros e estão marcados como 20 ou 30 Anos, ostentam 40 Anos no rótulo e estão à venda por umas dezenas de euros apenas. Um Sandeman 40 anos pertence ao colégio raro dos grandes vinhos do Porto e pode ser uma boa porta de entrada no universo superior dos tawnies. Na verdade, e como sempre, tudo se resume ao gosto de cada um. Mas não é menos verdade que o gosto também se educa.

Experimente com: tarte de amêndoa, pudim Abade de Priscos ou ovos moles.

Preço: €€-€€€€€


Tawny Colheita / Garrafeira - Tawnies de uma só colheita, envelhecidos de acordo com práticas de cada casa, normalmente ao longo de várias décadas. Nestes casos, deve procurar-se no rótulo a data de engarrafamento, para termos a correcta noção do que está dentro da garrafa e se isso está de acordo com o nosso gosto pessoal. Um colheita dos anos 50 engarrafado em 2010 tem pelo menos 50 anos de casco e cerca de 10 de vida em garrafa, pelo que devemos esperar tipicidade de vinho velho e copioso, enquanto um garrafeira - de que a Niepoort é a grande porta-estandarte - envelheceu em vasilhas de vidro e só depois foi engarrafado terá ainda notas vibrantes quase juvenis. Faz parte da beleza intrínseca dos grandes tawnies o que neles se nos oferece em modo descoberta. A grande glória do vinho do Porto.

Experimente com: Pastel de nata, pavlova de pêssego ou queijo São Jorge de 9 meses de cura.

Praço: €€€€-€€€€€


(Publicado no DN)

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