domingo, 13 de março de 2016

Um ano inteiro com ordem para brilhar

Agora que 2015 está arquivado, é altura de planear 2016 e marcar os eventos, restaurantes, provas e lugares que não queremos perder. Mais do que espectáculos com lugar e data, que sejam manifestos vivos e duráveis.

Em vez do vezeiro e soturno recordar dos bons momentos do ano que passou, permito-me trazer aqui o que eu gostava de ver de novo acontecer em 2016, e como. Afinal, foi um ano cheio de novidade e bravura, em contraciclo com uma espécie de esmorecimento instalado em relação ao futuro e ao que é preciso fazer. O universo enogastronómico em Portugal está finalmente a mover-se com a sua própria energia. Há motivos para acreditar que 2015 não foi mais um ano de olhar para os outros e descansar na sombra; as andou-se e muito. Claro que não falo de megamovimentos de âmbito nacional nem mobilizações de maciços de gente, até porque não existem no nosso país os militantes da comida e do vinho suficientes para encher o Pavilhão Atlântico. Os show cookings - leia-se demonstrações culinárias - congregam assistências variadas, mas entre 30 e 50 é uma boa estimativa das pessoas que vão propositadamente para ver os chefs ao vivo. Não é brilhante a afluência, são mais as vozes que as nozes e além disso, há muito tempo que não vejo cozinheiros nas bancadas, com muita pena, porque o elevado nível das apresentações merecem, não só casa cheia, mas também a presença dos pares. Lá fora vejo auditórios pejados de jalecas de cozinheiro, cá nem à paisana encontro mais de meia dúzia. Virá o tempo, quem sabe. Aproveito a deixa para fazer a primeira referência dentre as quatro que quero deixar lavradas com a estrela da expectativa. Trata-de do Ocean Fine Wines & Food Fair e acontece no Vila Vita Parc, em Alporchinhos, Algarve. Chefes de grande gabarito, portugueses e estrangeiros, num desfile ritmado dia após dia, no restaurante Ocean, detentor de duas estrelas Michelin, numa sequência coroada por uma grande noite, a Kitchen Party, um verdadeiro espectáculo com vários palcos, em que cada chef tinha o seu próprio show cooking em acção, num exercício notável de proximidade com as pessoas, trocando impressões, explicando e até fazendo algumas variações. Nos vinhos, igual desempenho, com a presença dos produtores, assim como fabricantes e distribuidores de produtos gourmet de elevado nível. Organização irrepreensível, a marcar novo standard para eventos do género, fasquia bem alta. Quero ver o evento repetido Deixo falar o coração e digo sem hesitar que o Tribute to Claudia, no Vila Joya (Galé), foi o evento do ano 2015. Joy Jung, filha de Claudia - já falecida - e Klaus Jung, criadores e força anímica ainda hoje do projecto, teve o rasgo genial de voltar aos fundamentos da casa, tal como preconizados e vividos principalmente por sua mãe. Só os mais atentos se aperceberam de que o que é talvez o maior festival de gastronomia da Europa deixou as luzes da ribalta para ser coração, memória e família. O Senhor João, que recebia efusivamente toda a gente com o seu “welcome to paradise” de braços abertos, foi convocado, mesmo tendo-se já reformado. E tantos outros, naquelas noites mágicas, que vieram de novo a esta casa, marco biográfico de todos. Os chefs mais influentes da vida de Dieter Koschina, chef do Vila Joya. Os seus amigos portugueses. Os chefs com estrelas Michelin em Portugal, num jantar revelador da excelente forma da criação culinária nacional. As maiores expectativas para este ano, portanto. Um terceiro movimento, Taste Portugal London, teve origem no Conrad Algarve, com efeitos mobilizadores inéditos dos valores nacionais da cozinha e do vinho, literalmente em campanha internacional, expondo um lado tão positivo quanto desconhecido de Portugal. Penso que o modelo está para durar, já que as possibilidades de configurações de vinhos, comida e profissionais são praticamente inesgotáveis. Gosto da noção de equidistância entre vinho e comida, e ao mesmo tempo, do lugar de proa dado às harmonizações. Forma inteligente de dar a conhecer o nosso extenso património gastronómico, ao mesmo tempo que cria oportunidades reais de negócio. Vinga o sabor português, ganha terreno o postulado de Portugal na vanguarda internacional. Raízes e proximidade exprimem a assinatura das nossas cozinhas e famílias. Estou atento aos movimentos deste ano, nestas iniciativas nacionais lá fora. O quarto evento de que lanço mentalmente a edição deste ano - esperando que a ousadia permaneça - aconteceu no Epic Sana Algarve. Luís Mourão, oficiante naquela bonita e sofisticada casa, que conhecia do tempo do Convento do Espinheiro, em Évora, e agora está à frente do bastião algarvio do grupo Sana, anunciou, fez e prometeu nova edição, o que chamou jantar sensorial. Harmonizações vínicas a cargo do escanção Marco Alexandre. Foi um desfile de sentidos, nuns pratos inibindo alguns, noutros explorando principalmente um, noutros ainda provocando o pleno. Surpreendeu-me a ousadia do chef Mourão, ao mesmo tempo que me alegrou sabê-lo capaz do fantástico. Impressionou-me o conjunto de harmonizações de enorme risco que Marco alinhou para experiência de mais de três horas à mesa, este talvez o maior dos riscos. E registei a felicidade que registo sempre que vejo assumidos o produto e o gosto portugueses na forma maior. Baixa-mar, preia-mar, as rochas, a horta, sensações, a antítese, o campo, a surpresa, nomes dos pratos principais servidos. Há influências que detectamos, de chefs de renome, estrelados, inspiradas em pratos que quem viaja até pode já ter provado. Ali não havia complexos desses, o objectivo era a experiência. Foi emocionante, teve momentos de plena felicidade e revelou um trabalho gigante de equipa, toda ou quase toda nacional. Na latitude em que nos encontramos, é uma excepção e só com sentido grave de missão o chef Mourão conseguiu reunir tal colectivo para trabalhar consigo. Vontade correspondida e acolhida pela mais dinâmica das cadeias de hotéis a operar no país, com clara aposta na cozinha e gastronomia. Desejo, como é evidente, que outras unidades sigam o exemplo e façam pelo menos uma vez por ano este exercício transcendente. Colocar a si próprias o desafio que põe tudo à provar.
Abre-se um ano de grandes expectativas, com o campo das boas concretizações totalmente aberto e lavrado. Quero que seja o ano da afirmação definitiva do talento português. Merecemos, queremos, precisamos Que seja também o ano dos imperdoáveis da ousadia. Ousar!

(Revista de Vinhos Mar'16)

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