quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Nós e o Japão. uma vez mais

Temos de perder o preconceito em relação à aparelhagem de mesa!

Os japoneses não são como nós, mas também não são assim tão diferentes. Especialmente os que são dados a estar em casa e, como eu, acham que é em nossa casa que se come melhor; onde nos sabem bem os grandes vinhos; onde podemos passar 4 inefáveis horas com amigos e família; onde o nosso coração bate com calor sem preconceitos; onde fazemos tudo à nossa maneira. Queria fazer aqui uma pequena reflexão acerca dos costumes da mesa, sobretudo louça e recipientes de serviço. É que me parece que mesmo os que têm baixela secular herdada dos antepassados, assim como os obstinados em ter um “serviço” mais ou menos elegante, perdem muito por não fazer uma festa na mesa. É curioso que nem os restaurantes japoneses em Portugal nos mostram a atmosfera de esplendor de serviço e festa de uma casa de família japonesa. Eu gostava que a nossa atitude mudasse.
Em primeiro lugar, os materiais. A nossa fixação na porcelana não tem explicação, quando a nossa história culinária é indissociável dos barros preto, branco e vermelho, com as respectivas decorações típicas de cada região. A mesa japonesa tradicional baseia-se muito na cerâmica, a porcelana raramente é utilizada. Depois, há uma profusão de dimensões, profundidades e estilos. Quanto a materiais, a balsa, a pedra, o metal, madeira lacada, madeira envernizada, com cores que só na alma se encontram, vão-nos passando pela frente. E o vidro, às vezes feito pequeno vitral de moções e emoções, para mostrar o colorido de um tobiko (ovas de peixe voador), ou a textura de uma salada fria.
Em segundo lugar, a decoração da louça. No ritual do chá, o convidado começa sempre por apreciar a decoração da chávena ou copo de cerâmica e, aprovando com um sorriso, estende-a para ser servido. A opção zen está presente em tudo o que leva comida, condimentos ou bebidas. Ou seja, há um sentido recentrador em si próprio que mesmo na sala mais ruidosa evoca o silêncio. O único e obrigatório, sempre que se come com respeito e enquanto acto cultural. O jogo de vidrados, as figurações desenhadas à maneira de histórias antigas como se fossem contos para adormecer uma criança, vão direitas ao coração. É evidente que a comida sabe melhor. Assim como é evidente que só serve a sua comida neste tipo de recipientes quem eleva a cozinha ao supremo espiritual.
Em terceiro e por último, os tamanhos e as formas. Poucas arestas, formas irregulares e alguma confusão de estilos podem podem baralhar quem não percebe do que se trata, mas isso é um erro. Afinal, somos todos diferentes, os que estamos a uma mesma mesa. É o exercício do “me mim”, em vez de “a mim”. Pode ser um exercício do Belo, como o definiu Hegel.
Eu acho que a forma como comemos já mudou muito, ao longo dos últimos 30 anos. Radicalmente, diria. Como bebemos, então, nem se fala. Fica aqui uma proposta de secessão para a comunidade. Vamos baralhar e voltar a dar. Visitem feiras de rua, antiquários, ou até mesmo lojas baratas. E comprem UM prato. UM copo. UMA travessa. Depois, em casa, ponham a mesa com o coração. Todos os dias. E cozinhem para aqueles que amam. E digam-lhes que os amam. E se forem servidos assim, deixem que lhes digam que vos amam. Quando se for a ver, foi a mesa o lugar da vontade, do querer ser melhor, da excelência. Em casa, baixinho. Em segredo. Obrigado.

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