quinta-feira, 23 de abril de 2020

Produto: Cravinho-da-Índia (Syzygium aromaticum)

Para cozer peixe gosto de fazer uma boneca com uma cebola de semente portuguesa, espeto-lhe dois dentes de cravinho e com uma faca meto-lhe uma folha de louro dentro. Chega e sobra para dois litros. Depois se tiver um talo de aipo à mão junto e está feito o meu court-bouillon para peixe. A minha experiência com cravinho é um pouco traumática, porque é uma especiaria que não perdoa excessos, e quase sempre se exagera. Quando um cozinhado sabe muito a cravinho já está tudo perdido, quando não sabe é porque tudo se fez no bom ponto. Margão, Janota e quejandos têm dentes de cravinho - que são bolbos secos de flores vermelho-forte da árvore tropical com o mesmo nome - que estragam mais do que arranjam. O único cheiro que admito em mim próprio é o do banho bem tomado, quando muito essência de limão, mas quase nunca. O céu também não deve ter cheiro e deve comer-se por lá muito bem. Uma cabeça de peixe cozida sem o “meu court bouillon” não tem graça nenhuma, mas admito que a os caldos de outros possam resultar para eles. Em casa fazemos o que queremos e como queremos. A segunda estaca de embirração cravo-a no ensopado de borrego que sem hortelã da ribeira e um toque de cravinho é como uma bela zarolha. O problema é a minúscula especiaria ser matreira e achar que pode dominar sozinha o espectáculo. A minha perna de borrego assada é feita apenas com dois dentes de cravinho - um espetado na incisão de extracção do bedum o outro no verso da peça, vagamente coincidente com a virilha do cabeçudo -, um fio de azeite e muito pouco sal. Vi finalmente o céu, com o cravinho da Organic India, que as pessoas felizes da Zurc e Etraud - anagrama de Cruz e Duarte - me proporcionaram. No court-bouillon deixei de usar louro e no borrego assado estou finalmente à vontade com a minha técnica. No final, é o céu, o mesmo do banho bem tomado, em que há só equilíbrio e sabores directos. Assim posso finalmente dizer um enorme obrigado às pessoas iluminadas que souberam intersectar-me nos meus corredores e cravar-me no trilho certo do cravinho. Ontem foi mais uma aventura. Bacalhau no forno apenas com azeite e um dente de cravinho. Nem sal levou. Como no céu.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.