quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Estrelas 2019

Alargámos o caminho das estrelas

Somos incomparáveis em praticamente tudo e o mais alto palco gastronómico do mundo não podia ser excepção. Um caminho calcorreado primeiro tacteando no escuro trouxe-nos até ao chão seguro que começamos a pisar. É proibido lamentar as estrelas que ainda não temos, os nossos pioneiros estão a tornar tudo mais fácil para todos. Há que festejar.

É impossível não ficar dominado pela emoção quando vejo os nossos bravos iluminados pela luz da ribalta, ao lado dos gigantes ibéricos. De repente, a luta diária e a adversidade enfrentada de tantas formas dão lugar ao sentimento de festa que é, mesmo para os repetentes, um dia zero, em que tudo se faz novo. Para a gala Michelin que acaba de acontecer, é de registar que foram convocados todos os chefs portugueses detentores de estrelas, aspecto inédito nas galas do guia vermelho. Foi a primeira vez que aconteceu em Portugal, a Michelin quis fazer a festa com todos os nossos bravos. A elencagem mais complexa e fria do mundo da alta cozinha demonstrou que o sentimento suplanta a razão e fez uma grande festa nacional, a que todos os nossos acorreram com alegria. Ser Michelin é diferente de não ser, há uma opção que custa tomar aos empresários de restauração pelo esforço financeiro que implica mas que é também uma proposta de excelência. A Michelin é o único sistema de classificação que não se baseia no julgamento crítico, antes aponta caminhos e direcções e é isso mesmo que liga todos os chefs entre si, aqueles que ali estavam ontem e todos os que figuram nos guias Michelin pelo mundo fora. Um sistema universal que se diria utópico mas que de facto existe e está forte, arregimentando mais empresários para a plêiade.
Ver Óscar Geadas subir ao palco para vestir a jaleca de uma estrela Michelin pelo G Pousada que governa juntamente com o seu irmão António fez-me deter até no aplauso, com os olhos rasos de lágrimas. De repente, em Bragança, numa pousada que estava moribunda, mantendo o negócio do venerável restaurante Geadas, impondo novas regras e assumindo excelência em todos os detalhes e a toda a prova, acontece a estrela Michelin. Em Trás-os-Montes profundo, nos rigores da maior interioridade, aconteceu. E por muito preparado que estivesse, o chef Óscar Geadas abismou ao olhar para a plateia, o palco passou a ser, a partir de agora, também dele, notável a todos os títulos. Mensagem clara e directa para todos os que se sentem menosprezados pela distância de Lisboa ou Porto, ao trabalho! A segunda mensagem clara aconteceu com a outorga da estrela ao chef Pedro Almeida, do Midori, restaurante oriental do hotel Penha Longa, em Sintra. É um génio que consegue criar emoção numa cozinha étnica que sabemos ser a que mais preza e eleva o peixe e o mar na forma mais directa. Uma refeição no Midori é um regalo com contornos de antologia, produto irrepreensível e a arte da lâmina levada ao extremo, com inúmeros acrescentos. A partir de agora, estão na mira os brilhantes chefs das orientalidades, mãos à obra. O chef António Loureiro, em Guimarães, oferece no seu A Cozinha uma experiência fundadora, mesmo para quem está habituado à grande mesa. Era à partida a estrela inevitável, pela consistência do seu trabalho e pela força do conceito que em tudo se sente. Sustentabilidade é apenas uma das pontas visíveis, duas outras são igualmente notáveis, desperdício zero e fusão de sabores. Tudo ali preparado à nossa frente, sem véus nem disfarces. Mensagem clara e directa para os que lutam obedientes às suas vozes interiores e vivem animados - muitas vezes em grande solidão - pelo quanto acreditam no rumo que a consciência e o intelecto lhes ditam. Finalmente, mensagem clara e directa foi a segunda estrela para o Alma, do chef Henrique Sá-Pessoa. O elevado nível atingido no Alma, com um rendimento brilhante de sabores, integração de influências e todo um conjunto de factores explicam a passagem a duas estrelas. O chef Sá-Pessoa está há um par de anos a trabalhar no pleno do sabor, sofisticação e arte culinária. Passa a fazer companhia ao Vila Joya, Ocean, Belcanto, Yeatman e Il Gallo d’Oro, lugares onde vamos e sentimos a diferença. A lógica Michelin faz sentido. Claro que esperávamos mais, claro que gostávamos de ver os restaurantes que acompanhamos e prezamos chegar-se também à ribalta. Certo é que todos os que estavam na gala estavam felizes, a força Michelin é um elemento ligante importante. Podemos confiar. E trabalhar muito.

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