sábado, 16 de junho de 2018

O Chana do Bernardino, de genro para genro

Quem conhece o Chana do Bernardino, na Aldeia da Serra, em plena Serra d’Ossa, não guarda segredo das boas experiências que lá faz. Conseguindo o que poucos até hoje conseguiram, nas novas instalações mantém um elevado nível culinário e continua a atrair gente de toda a parte.

Restaurante O Chana do Bernardino
Aldeia da Serra d’Ossa
7170-120 Redondo
Tel.: 266 909 414
Fecha: Segunda
Preço médio: 17,5 Euros

Tipo de cozinha: Tradicional; Informal
Comida: ****
Ambiente e Serviço: ***
Vinhos: ***

"Aqui fazemos tudo à antiga, nem micro-ondas temos". Palavras de Bernardino Parreira, genro de Domingos Grave, o “chana”, alcunha carinhosa que lhe puseram os amigos e conterrâneos da Aldeia da Serra. Na casa onde estamos, funcionava há 60 anos a “Venda do Ti Chana”, com a habitual combinação de taberna, mercearia/talho e drogaria. Na casa onde estamos também é o sítio para onde se mudou recentemente o Chana do Bernardino, a tasca que laborava cerca de 100 metros mais abaixo, na Aldeia da Serra. De cara lavada, com mesas e cadeiras novas e paredes brancas, nestas luminosa casa a estrela que brilha é a do talento culinário, da arte de receber e da fixação na tradição. Só a tecnologia não tem lugar no novo Chana. Bernardino é o homem do leme, já secundado pelo seu genro, João Almeida, o homem a quem se deve o movimento de restauro a que a casa foi sujeita. Herança de genro para genro, portanto.
Bernardino Parreira casou com uma das filhas do Ti Chana e começou a sua vida profissional no Hotel Santa Clara, em Évora, na Travessa Serpa Pinto, onde foi chefe de mesa. Nessa altura, já o seu sogro servia boa comida alentejana, preparada por Teresa Grave, sua filha, que não tendo casado sempre se dedicou à cozinha, com mão e génio invulgares. A distância do projecto do sogro manteve-se contudo até tarde, já que depois transitou para o Café Central, em Reguengos de Monsaraz, e daí para Mem Martins, onde pontificou entre 1974 e 1986 de forma brilhante na sala da igualmente brilhante casa que é o Chaby, hoje nas mãos de Nuno Levita. É então que, com o falecimento do velho Chana, o já não jovem Parreira chama a si a missão de voltar à terra, para ajudar a sua cunhada Teresa.

Cozinha sem preconceitos

Nascia assim o Chana do Bernardino, sem fundamentalismos, baseando a sua oferta na cozinha tradicional alentejana ao mesmo tempo que abria o leque para os pratos que ao longo de mais de 12 anos vira preparar e servir no Chaby. Na minúscula casa da Aldeia da Serra, podíamos chegar um dia e ser surpreendidos por leitão assado ou por um bom cozido à portuguesa. Teresa, essa, mostrou ter talento para o desafio, ficando a casa estabelecida como restaurante, com os fogões nas suas oficiantes mãos. Ainda hoje é ela que lidera a cozinha, com o mesmo gosto que nos primeiros tempos. João Almeida, casado com uma das filhas de Bernardino, chefia a sala, sob o olhar atento e carinhoso do sogro.
As entradas têm estaca segura na selecção dos melhores produtos. É tão irrepreensível quanto recomendado o “fígado de coentrada” (3,5 Euros) e são inexcedíveis os “pimentos assados” (3 Euros), aqui cuidadosamente pelados e passados por alho picadinho, com bom azeite. No cesto competente vem um pão de mistura que vai ao encontro do gosto de toda a gente, mas ficamos a pensar na justíssima fama do pão alentejano, com que tantas vezes noutras paragens fantasiamos. Percebemos adiante que a sua hora chegaria.
O vinho a jarro é da vizinha Roquevale e está disponível em branco e tinto (3 Euros o meio jarro). A jarro também há sangria de branco e tinto (15 Euros o jarro de 2 litros). A opção do jarrinho de vinho é particularmente boa para quem vai sozinho e não quer entrar em grandes despesas.

Ementa farta e variada

A oferta sólida para além das entradas tem secção nobre nos pratos típicos alentejanos, deixando bem claro o sítio onde estamos. Há duas secções com um ocupante apenas, nos peixes a “sopa de peixe com ervas aromáticas” (9 Euros), clássico do Chana; e nas carnes no forno as luminosas “queixadas de porco com batata assada” (9 Euros) elaboradas com uma simplicidade avassaladora, com o consequente gozo ao comê-las. Influência clara do Chaby são as carnes grelhadas, também elas clássicas do Chana. Destacamos as “costeletas de borrego no churrasco” (10,5 Euros), pequeninos concentrados de sabor e prazer e o “bife de vitela grelhado” (9 Euros), servido suculento e guloso.
Nas alentejanices, não falta campo para extravagâncias e para matar saudades da última vez que se foi ao Chana. É parte fixa da oferta de comida da casa. Há cinco especialidades servidas em modo caldoso: “açorda com bacalhau, ovo e pescada” (9 Euros), “gaspacho com carapaus fritos, presunto e chouriço” (9 Euros), “sopa de tomate com lombo, entrecosto, farinheira, linguiça, ovo e bacalhau” (9 Euros), “sopa da panela com borrego, chouriço, galinha, entremeada e vitela” (9 Euros) e “ensopado de borrego” (9,5 Euros). Todas são apresentadas com fatias fininhas de bom pão alentejano meio duro, como mandam as regras, e todas são feitas com o mesmo primor. Representam dignamente a boa tradição da cozinha alentejana, a mesma que se comia nas mesas mais pobres do país, com o que havia para pôr ao lume na trempe.
As migas de batata ou alentejanas (9,5 Euros) não podiam deixar de pontificar na casa, sendo muito procuradas e servidas com lombo, entrecosto, farinheira e chouriço.
A terminação doce tem alguma representação, mas apenas duas das seis sobremesas são de matriz alentejana: o “bolo rançoso” (3,5 Euros) e a “sericaia com ameixa de Elvas” (3,50), o clássico “dois em um” que os portugueses já não aceitam ver em modo separado. Regalamo-nos, contudo, com as boas “farófias” (2,5 Euros) que a casa oferece e com a bem feita “mousse de chocolate da verdadeira” (2,5 Euros).

Vinhos 100% alentejanos

Não há vinho de outras paragens nem lugar para extravagâncias na carta de vinhos do Chana do Bernardino, à excepção do Pêra Manca tinto, que é proposto a 129 Euros a garrafa. Nenhum outro vinho é oferecido a preços sequer parecidos; pensamos que o fenómeno se deve ao facto de a casa disponibilizar toda a gama da Fundação Eugénio de Almeida. Há boas oportunidades, como o Monte das Servas (11 Euros) ou Roquevale Tinto da Talha Grande Escolha (14,5 Euros), ou ainda o Convento da Tomina (14,5 Euros).

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