sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Cais feito abraço, Vila Real

Renunciando ao estatuto estrito da interioridade, o Cais da Villa, em Vila Real, é uma proposta cosmopolita que mostra como requinte e qualidade do produto podem coexistir num registo tradicional de sabor. Bela mesa tem aqui esta cidade.

O tempo vai progredindo em vagarosa mas segura marcha, e as coisas e as pessoas vã-se transformando e adaptando ao que de novo vai acontecendo. A estação ferroviária desactivada de Vila Real foi ermo durante muito tempo e passava por lá apenas quem tinha de ir daqui para ali, sem parar por um minuto sequer. A paz do local, contudo apelou forte a Horácio Negrão, que não pensou duas vezes na hora de investir no projecto do Cais da Villa, hoje a mostrar os seus trunfos. O restaurante funciona no que era outrora o armazém de mercadorias da estação e é impossível não reparar na harmonia e qualidade das instalações de bar e restaurante lá dentro, complementadas por uma esplanada que abraça vilarrealenses até bem tarde. Gins, tapas, música ao vivo de vez em quando, a animação é garantida, mas há que entregar ao troféu a Daniel Gomes, líder da cozinha. Há um trabalho detalhado em cada ingrediente, superado apenas pelo acerto da construção dos pratos, marcados pela forte ligação ao produto, se houvesse que eleger uma virtude apenas; que há mais. Atenção aos legumes, peixes do mar e receituário tradicional. Agora que a alheira passou a entrada - antigamente era prato de truz - está aqui disponível como “Alheira de Mirandela panada” (8 Eur), servida com creme de espinafres, ovo de codorniz e batata palha, balanço feliz entre componentes e coisa mais transmontana seria difícil. No capítulo entradeiro não se deve contudo deixar de debicar o “Camarão salteado com gengibre e geleia de maçã” (14,50 Eur), proposta divertida e saborosa, assessorada por propositados guacamole e maionese de caril. Nos peixes, há um prato de leitura universal que comporta muito do que Portugal é, “Filete de robalo corado com choquinhos à algarvia” (16 Eur) e que exige atenção e conversa. As “Bochechas de porco com molho de vinho tinto do Douro” (15 Eur) merecem conferência, pela suculência da proposta e pelo incrível risotto de favas e chouriço que as acompanha. O ainda jovem chef Gomes conta com Graça Silva no posto da pastelaria, e como trabalha bem! “Bolo de chocolate 72% e morangos salteados com pimenta rosa” (7,50 Eur) é coisa de céu. Genial e surpreendente o “Folhado de framboesas com mousse de mascarpone e ovos moles” (7,50 Eur). E, pasme-se, há “Crepes Suzete” (10 Eur), daqueles que não há quem não goste! Guilherme Osório trata da sala e supervisiona o assunto vínico. Ainda tem de marcar melhor os ritmos de serviço, especialmente na dicotomia de sala cheia ou meia-cheia, e na difícil mas essencial arte da coreografia do serviço. Esta casa, candidata a melhor restaurante de Vila Real, merece. E nós também.

R. Monsenhor Jerónimo do Amaral

5000-570 Vila Real
Tel. 259 351 209
12:00-15:00; 19:30-00:00
Preço médio: 28 Eur
Fecha: Não fecha.

Refeição ideal
Lâminas de polvo marinadas com pickles de legumes (10 Eur)
Joelho da porca assado da gastronomia vilarrealense (22 Eur)
Folhado de framboesas com mousse de mascarpone e ovos moles (7,50 Eur)

Classificação
O espaço: 4
O serviço: 3,5
A comida: 4,5

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