terça-feira, 20 de maio de 2014

Cafriela de Frango

Prato de mil estórias

Os valentes e bravos portugueses – e também absolutamente necessitados – que descobriram e se disseminaram por terras longínquas chamam muitas vezes a si a autoria do que não lhes é devido. Muitas vezes, enquanto observadores atentos dos usos e costumes dos povos que foram encontrando em modo de descoberta, mais não faziam do que importar instantaneamente palavras baseadas em sons e expressões locais. “Cafr” era, no sueste do continente africano, o nome que os mouros davam aos difíceis e tesos indígenas que se recusavam a aceitar a lógica de salvação da religião muçulmana. Em vez disso, prosseguiam com os seus cultos e rituais próprios, tidos como idólatras, com as consequentes perseguição e punição. Os relatos da época da colonização portuguesa da África Austral referem chamam “cafres” aos mesmos nativos, e “cafrarias” às suas comunidades. Designação que no continente depressa se passou a utilizar para referir todos os que não eram cristãos. Inácio Steinhardt, judeu português hoje radicado em Israel, deposita no seu blog - steinhardts.blogspot.com – inefáveis abordagens à origem de certas palavras e expressões, estabelecendo pontes históricas com um tempo e dedicação dignos de nota. Descobriu então que Alexandre Herculano terá encontrado na Bilioteca da Ajuda um documento onde eram referidos “os sete cafres contumazes”, rabinos judeus encarcerados por ordem de D. Manuel até que se convertessem ao cristianismo “de sua própria vontade”. Apesar do atractivo da liberdade, tal não veio a acontecer. Quando convicção e redenção entram no material genético do homem, dificilmente verga. Já “cofêr”, palavra hebraica que segundo Steinhardt tem a mesma origem de cafre, é aquele que renega os princípios de uma religião. Tudo converge, afinal.
Cafreal é tudo o que é relativo ao cafre e à cafraria. No receituário da Guiné e de Moçambique, passou a cafriela, a forma de cozinhar com manteiga – ou azeite - e limão. Umas vezes grelhado e depois estufado, outras apenas grelhado, o frango recebe com esta técnica estatuto nobre e rico. Associamo-lo, pelo que atrás se disse, mais a Moçambique que à Guiné e é prato tanto popular como histórico entre os moçambicanos. Chamam-lhe, muitas vezes, “frango de churrasco à cafreal”. O nome certo é cafriela de frango e o sabor, mesmo quando o frango é servido bem quente, inspira sempre frescura, o que explica o catembe – espécie de “traçadinho” de vinho tinto carrascão com refrigerante – que tradicionalmente era utilizado pelos locais.
A escolha do vinho para acompanhar a cafriela de frango recai por exemplo no Catarina 2007 (cerca de 5 Euros), vinho branco Terras do Sado produzido pela Bacalhôa Vinhos. È uma homenagem a Dona Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra e Princesa de Portugal e a todas as Catarinas, como consta do contra-rótulo deste vinho, produzido a partir da localíssima casta Fernão Pires e da internacional Chardonnay. A fermentação parcial do vinho em carvalho francês complementou com complexidade e profundidade as suas notas citrinas e tropicais, tornando-o boa companhia para esta cafriela.

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