quinta-feira, 4 de abril de 2024

Comida: O hambúrguer, signo e significado

Parece que nem tudo está perdido. Vislumbra-se o imperativo de consciência de cada um se ocupar de saber o que come. Picadinhos, carnes, gorduras e entremeadas conseguem produzir sabores de que gostamos em criações diversas, incluindo as caseiras. O momento é de saber mais.

Sou a favor do progresso e o corolário natural deste postulado é que sou contra o preconceito. O hambúrguer, que em alemão quer dizer «de Hamburgo», resolveu na história da alimentação humana a dificílima equação de «uma refeição por um dólar». Dos Estados Unidos, a nação que o mundo adora odiar pelos seus costumes supostamente bárbaros, surgia, com o hambúrguer, a corrente imparável da dita fast food: serviço rápido, dispensa de talheres e facilidade de conservação foram alguns dos aspectos que desde cedo atraíram a comunidade internacional, abrindo o caminho de grandes cadeias de restaurantes de comida rápida. Depois subiu a indústria de bebidas gasocarbónicas, com a Coca-Cola e a Pepsi a terem de pagar a fatura da obesidade infantil, do colesterol e de acidentes vasculares. Agora, sabemos da tragédia calórica e das perturbações do metabolismo provocadas pelo pão, pelas batatas fritas, maioneses, mostardas, ketchups e muitos outros «venenos» que a humanidade passou a consumir sem procurar qualidade. As colas não são, afinal, o único monstro da história. De repente, já não é a fome que se combate, em vez disso passou-se à necessidade absoluta de fartura, de muito. Em toda a parte.

A McDonald's, transformada numa espécie de demónio pela opinião pública e pela comunidade que supostamente se interessa pelo que dá de comer aos seus filhos, tem sistemas de controlo de qualidade alimentar que ultrapassam o exigido e o exigível. Criou em torno do seu nome uma exigência sobre os fornecedores a que poucos conseguem corresponder. Recordo aqui, a propósito, uma viagem que fiz ao Reino Unido, em Worcestershire, para falar com criadores de bovinos para fornecerem a McDonald's e constatar in loco como as coisas estão sérias no plano das exigências. Tenho a certeza de que corremos mais riscos quando comemos hambúrgueres congelados de hipermercado, ou mesmo quando os fazemos em casa a partir de preparados de carne picada que se vendem nos talhos. Oxidada, cheia de micro-organismos próprios da decomposição, quando não mesmo imprópria para consumo, essa carne só não levanta suspeitas ao consumidor porque é «fresca». Não podia haver maior engano. E como tudo o que aqui digo, e poderia dizer, está disponível na internet, pergunto-me porque não se informam todos melhor sobre o que comem e dão a comer. Na base de tudo o que é industrial está a busca de rendibilidade e de quantidade a custo contido. É o progresso. No que respeita à comida não é muito diferente. A julgar pela profusão de cozinheiros, empresários e criadores que hoje se ocupam a fazer do hambúrguer um produto nobre, o bife de molde circular, nasceu para mitigar a míngua, está a servir de passe para aliviar a crise. Saboroso, saudável e criativo, como convém. É altura, portanto, de afastar o preconceito e procurar saber mais sobre tudo o que comemos. Até hoje, a única coisa que o hambúrguer não conseguiu.


(Repescagem de um texto publicado no DN em 2013)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Vinho: Herança Sanheiro Castelão Supreme tinto Vinho de Mesa tinto 2020 (14%) | Joel Sanheiro - 5 euros

85/100

Estreme de Castelão, praticamente proveniente de vinhas que se diria serem o berço da casta estruturante do vinho português, no Poceirão. Abandonámos cedo demais o Castelão e agora que já temos talento e talante para o trabalhar deliciamo-nos com o que tem para nos dar. Figo seco, ameixa preta cozida no nariz, salino e balsâmico na boca, tem inequívoca vocação para a mesa clássica portuguesa. Perde-se prazeroso num bom cabrito assado mas não diz que não a um bombom de figo e chocolate negro.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vinho: Dona Maria Reserva Arinto Alentejo branco 2021 (13,5%) | Júlio Bastos - 19 euros

86/100

No quadro das minhas convicções vínicas, tenho a casta Arinto como a melhor a nível nacional. A partir dela faz-se espumantes de gabarito, fermenta com extrema pureza em inox, ganha complexidade e beleza como nenhuma outra quando fermenta em barrica e atinge a glória quando estagia e envelhece. Produz ainda colheitas tardias de excelência. E viaja bem para todos os terroirs nacionais, reconfigurando-se e adaptando-se como se sempre ali tivesse estado. Este estreme de Arinto é exemplar, aromas de flores brancas, ruibarbo e ameixa branca cozida. Boca copiosa de folha de chá, pistáchio e cogumelos frescos. Final médio e rico. Prato: Frango à passarinho.

domingo, 19 de novembro de 2023

Vinho: Tapada de Coelheiros Alentejo branco 2021 (13,5%) | Tapada de Coelheiros - 30 euros

90/100

É uma das marcas centrais do Alentejo clássico, composto por Arinto e Roupeiro em partes iguais. Incrível e bem vinda frescura, aromas de raspa de laranja, malmequeres e ameixa branca madura, boca mineral, juntamente com impressões de cogumelos frescos e trufas pretas denunciam profundidade e maturidade das vinhas. Comprimento longo e estável, terminando seco e rico. Prato: Pregado assado com alcaparras.

sábado, 18 de novembro de 2023

Lello Douro tinto 2021 (13%) | Borges - 4,50 euros

    


86/100

Blend típico e clássico duriense, composto por Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Sousão. No contra-rótulo lê-se que esta ilustração é a primeira de quatro que fixa a chegada de Artur Lello à Soalheira no início do séc. XX, que a Borges pretende imortalizar. Frescura, equilíbrio e consensualidade são ass notas mais evidentes de um vinho que vai beneficiar de mais dois anos em cave. Prato: Vitela assada com puré de batata.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Vinho: Douscana MMXX Vinho de Mesa tinto 2022 (14,5%) | IVV 10128 - 75 euros

93/100

Produção conjunta Azienda Agricola Tamburini Emanuela (Itália) e Duplo PR (Portugal). De Itália vem a Sangiovese, casta matricial da Toscana e de Portugal a Touriga Nacional. Por decisão mútua, o vinho fez-se em solo português e representa uma estreia. Filipa Pizarro e Emanuela Tamburini são as autoras materiais do vinho. Taninos muito finos, estrutura bem urdida com extracção muito contida, vestida por uma acidez bem cuidada. Produção de 3350 garrafas. Prato: Jardineira de vitela com óleo de trufas brancas.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Vinho: Herdade de São Miguel Colheita Seleccionada Alentejo tinto 2022 (14%) | Casa Relvas - 6 euros

     

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89/100

Está aqui uma grande surpresa à espera da descoberta pela tribo enófila. Uvas provenientes de vinhas próprias, solos argilo-xistosos, castas Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Syrah e Touriga Franca, entre outras. Fermentação em inox. Maceração pós-fermentativa de 5 a 10 dias. Maloláctica em cuba inox com aduelas de carvalho francês. Estágio 50 % do vinho em barricas de 400L de carvalho francês durante 4 meses. Aveludado e ao mesmo tempo muito vivo no palato, é seguramente campeão de relação preço/qualidade. Final longo e persistente. Prato: Perna de borrego assada com tomilho.